domingo, 16 de fevereiro de 2014

Carta de Juarez Tavares a Roberto Requião, senador, 2014

O maior penalista brasileiro em defesa da democracia contra a "onda reacionária" que envolve até setores da esquerda, pela repressão de protestos:

"CARTA DO PROF. DR. JUAREZ TAVARES PARA O SEN. ROBERTO REQUIÃO

Caro Roberto,

Como você se deve lembrar, fomos colegas de turma na UFPR. Você se orientou para a política e eu, para a academia. Fiz cursos no exterior e cheguei ao topo da carreira docente, como professor titular de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor convidado-visitante nas universidades de Frankfurt, Buenos Aires e Sevilha. Igualmente, até completar 70 anos, exerci o cargo de Subprocurador-Geral da República.

Agora, diante dos projetos de criminalizar atos de terrorismo e, ainda mais, as chamadas "desordens", venho pedir ao caro colega e amigo que se posicione, de forma incisiva, contra a aprovação desses projetos.

Quando da edição do Estatuto de Roma, em 1998, que deu corpo jurídico ao Tribunal Penal Internacional, os signatários, orientados por assessores jurídicos de alta qualificação, rejeitaram a proposta de criminalizar o terrorismo por não encontrarem elementos seguros que pudessem ser usados na sua definição.

Mesmo em países que sofreram atos verdadeiros de terrorismo, como a Alemanha, sua definição sempre foi contestada pela doutrina e, hoje, se resume, praticamente, a uma especialização do crime de quadrilha. E,mesmo assim, são avassaladoras as críticas que se lhe fazem.

Deve-se ver, e você bem sabe disso, desde os tempos em que militávamos juntos na política estudantil, que não se pode confundir "terrorismo" com meras infrações de ordem pública. Para essas infrações, os países previram leis especiais: a Ordnungswidrigkeitsgesetz, na Alemanha, e a Lei de Contra Ordenações, em Portugal, as quais, todavia, não contemplam delitos ou crimes, mas, sim, uma forma branda de contravenção, punida com uma multa sem caráter criminal.

A criminalização de uma conduta de alta magnitude tem que ser resultado de uma ampla discussão, não apenas no âmbito parlamentar, mas na esfera pública em geral, nas ruas, nas academias, nas associações, nos congressos, nos seminários, nos encontros de professores, juízes, membros do Ministério Público, advogados, intelectuais de todas as origens e do próprio povo. A lei penal, em face das graves consequências que produz, não pode ser simplesmente o sucesso de interesse de uma maioria; deve ser elaborada de modo a contemplar e proteger também os interesses das minorias.

Além disso, devem as leis definir de forma iniludível as condutas proibidas, de tal sorte que os cidadãos possam tomar plena consciência do que podem ou não podem fazer. Essa é uma exigência constitucional do princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX), não atendida nos respectivos projetos. Não se pode deixar na criatividade dos julgadores a decisão acerca do que se deva entender por proibido ou mandado.

Para criminalizar não basta dizer que uma ação imponha terror ou pânico na população, com resultados de lesão pessoal ou dano patrimonial. Se alguém grita "fogo" em um cinema lotado cometerá a contravenção de falso alarma (LCP, art.41), que causa pânico nos espectadores e pode provocar-lhes, inclusive, lesões ou danos, mas jamais se poderá confundir com o terrorismo, o qual está vinculado de forma indelével a estruturas fundamentalistas orientadas a derrocar o próprio Estado Democrático.

A vingarem esses projetos, seriam criminalizadas condutas comuns da vida, como o trote de calouros, os protestos contra os árbitros de futebol, as gritarias provindas de grupos boêmios e até os atos de comemoração mais acalorada. Afora, claro, condutas que nada têm a ver com finalidades políticas de destruição do Estado, como as brigas de torcidas organizadas. E serão criminalizadas, com esses projetos, as manifestações mais legítimas da população.

O Código Penal já prevê, por seu turno, como delituosas todas as condutas que possam lesar ou pôr em perigo bens jurídicos da pessoa ou mesmo daqueles vinculados à comunidade ou ao Estado, como o homicídio, as lesões, os delitos relativos à periclitação da vida e da saúde, a rixa, os delitos contra a incolumidade pública (incêndio, explosão, etc.), os delitos patrimoniais e contra os agentes do Estado.

Não há a menor necessidade de novos tipos de criminalização, que só podem servir para a derrocada do Estado Democrático de Direito. Não vamos nos iludir novamente pelos efeitos simbólicos da legislação e nem regressar ao passado ditatorial. O direito penal é um instrumento de repressão e só pode ser usado em situação de extrema e estrita necessidade, quando não haja outro recurso para a proteção da pessoa.

Espero que você, com sua inteligência e capacidade de argumentação, possa conter essa onda repressiva.

Forte abraço,

Juarez Tavares"

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Protestos: falta um horizonte pós-capitalista

Protestos: falta um horizonte pós-capitalista

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Edição 104 - set/13 Reinventando Paulo Freire

Edição 104 - set/13

Ler a vida, ler o mundo, reescrever a esperança


Um dos livros mais lidos e reeditados de Paulo Freire, sem falar, é claro, de Pedagogia do oprimido (1987), é o intitulado A importância do ato de ler: em três artigos que se completam (FREIRE,
Cortez, 1992) que, em 1999 já se encontrava em sua 37ª edição. Os
artigos que compõem este livro são originários de textos escritos e
apresentados por Freire em diferentes palestras em 1981 a 1982.
Portanto, há mais de 30 anos.  Mesmo assim, estamos falando de reflexões
atualíssimas, 32 e 33 anos após as suas publicações, sobretudo, no
sentido de reafirmarem a natureza política e transformadora da educação e
da leitura.


Em apresentação do próprio Paulo Freire, para a edição de 1999, ele escreve que


Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe
ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona,
é urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista
enfaticamente sob o ângulo da luta política e que a compreensão
científica do problema traz sua contribuição (FREIRE, 1999, pg. 9).


Freire está se referindo à luta política que se fazia e ainda hoje se
faz necessária, visando “à superação dos obstáculos impostos às classes
populares para que leiam e escrevam”. (idem). E estes obstáculos, que
antes se limitavam à alfabetização da leitura e da escrita, hoje
ampliam-se para outros campos: analfabetismo cultural, analfabetismo
digital, analfabetismo tecnológico e assim por diante. Nesse sentido, é
inequívoca a relevância de retomarmos esta discussão em tempos de
marchas e de participação social e popular em pleno século 21 (em tempos
de CONAE 2014!), de protestos organizados, desorganizados, que se dizem
“apolíticos” e “apartidários”, mas também de movimentos políticos,
organizados, partidarizados, de marchas dos indignados do/pelo mundo e
dos “black bloc”[1]
que, ao seu modo, escrevem novas e importantes páginas na nossa
história. E vejam que interessante: acabei de reler e aqui registro um
outro texto de Paulo Freire, escrito “recentemente”, prefaciando a
edição brasileira do livro Alunos Felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários, de Georges Snyders (SNYDERS, 2005):


(...) Para quem duvida que a alegria de viver está sendo intensamente
assumida pela juventude hoje, que se dê conta da geração de
adolescentes e jovens que, recentemente, enchendo as praças e as ruas,
cantando, de cara pintada, vestidos multicolormente, inauguravam uma
nova forma de fazer política. Se batiam pelo impedimento do presidente,
finalmente conseguido. Não vieram às ruas sisudos, de paletó e gravata,
de colarinho duro. Vieram em algazarra criadora. Vieram cantando. Vieram
alegres e firmes. Falaram. Criticaram. Choraram. Exigiram vergonha
(...)”. (FREIRE, janeiro de 1993. In: SNYDERS, 2005. p. 10).[2]


Refletindo sobre a importância de realizarmos diferentes leituras,
visando ao nosso melhor fazer docente, sobretudo em tempos em que ainda
escutamos que educadoras e educadores não se interessam por esta prática
– afirmação certamente “desajustada” e descontextualizada, que não
considera nem a falta de qualidade de muitas publicações hoje existentes
(sobretudo no campo da autoajuda) e, muito menos, o preço exorbitante
dos livros, nem mesmo os salários aviltantes que continuamos recebendo,
tendo um dos menores pisos salariais do país, em comparação com outras
profissões, com o mesmo nível de formação: R$ 1.567,00. Um número fácil
de decorar, de entristecer e capaz de desencorajar as novas e futuras
gerações a se interessarem pelo magistério.


Em 2013 comemoramos 50 anos da marcante e simbólica experiência de
Paulo Freire em Angicos, alfabetizando 300 pessoas em 40 dias, abrindo a
oportunidade de o Brasil enfrentar, desde aquela época, os já 14
milhões de brasileiras e brasileiros analfabetos, números que, hoje,
pasmem, (50 anos depois!) são praticamente os mesmos – isso, sem
falarmos no número do analfabetismo funcional da leitura e da escrita,
muito maior que isso, e que ainda assola o nosso país.


Como forma de contribuir para superar estes dados alarmantes da
educação nacional é que se faz necessário a valorização da leitura em
todos os seus significados e amplitudes. Registro aqui, para provocar
nossa reflexão sobre o tema, três de suas variáveis: ler a vida, ler o
mundo, reescrever a esperança.


Ler é sempre um ato de conhecimento, de aprendizagem, de ensinamento,
de crescimento pessoal e coletivo: a leitura nos inspira, alegra a
nossa alma, resgata as nossas lembranças, provoca a nossa ira, causa-nos
emoções, muda a nossa vida, acalma, aproxima-nos de outras pessoas e de
outras culturas, fortalecendo-nos para a luta e para as transformações
sociais que buscamos por meio da própria educação. Mas não basta apenas
“ler”. Trata-se de ler, de tomar consciência da realidade lida e, com
base nesse movimento, buscar transformar a realidade e a nós mesmos/as.


Como permanecemos em luta política contra a injustiça, seguimos
também brigando por participação popular e social (Gadotti, 2013), bem
como pelo direito ao acesso à leitura e à educação como direito
fundamental. E arrisco-me a dizer que na atual conjuntura nacional e
internacional, quem não souber ler e interpretar o que está se passando
na atualidade, como processo e resultado de lutas políticas históricas,
não será capaz de pronunciar a sua palavra grávida das mudanças
necessárias para uma vida mais feliz para todas as pessoas. Nesse
sentido, registro e reafirmo a necessidade de lermos a vida, o mundo e a
esperança, reescrevendo-os sempre.


Ler a vida – trata-se de enxergar a vida que vivemos
hoje, comparadas às condições que tínhamos anos atrás e de realizarmos
agora os sonhos sonhados no passado, mas com coerência ética, estética,
ideológica e política. E sempre praticarmos a “pedagogia da pergunta”:
temos sido coerentes com os princípios e valores que defendemos outrora?
Ou, ao contrário, desviamo-nos a tal ponto do nosso caminho que
chegamos a negar, hoje, tudo o que defendemos ontem? Qual o sentido e o
significado de estarmos hoje onde estamos? Como aproveitar as lições
aprendidas no passado e como não perdermos a oportunidade de deixarmos
as nossas “pegadas” na história, visando a um mundo mais justo e a uma
vida mais plena e mais feliz para todas as pessoas, para todos os seres
vivos e para todos os ecossistemas?


Como escreveu Paulo Freire, “não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não apenas para me adaptar, mas para mudar”. (1997, pg. 85-85). Acrescente-se a isso a perspectiva da educação intertranscultural
(Padilha 2007), que tem como ponto de partida as relações entre as
pessoas e, destas, com todos os ecossistemas. Os conhecimentos da
ciência, da arte e da política, por exemplo, compõem este cenário de
aprendizagens complexas, transformadoras, com sentido e significado.


Ler o mundo – Ler e enxergar o mundo é mais do que
olhar para ele na sua superfície: é estarmos permanente e
estrategicamente atentos e atentas ao que se passa ao nosso lado e ao
que está distante de nós, em profundidade. É superar nosso eventual
daltonismo em relação às pessoas com quem convivemos e em relação à
realidade que nos cerca e em todos os espaços sociais nos quais vivemos
ou por onde passamos. Ler o mundo enquanto processo que envolve
aprendizes e ensinantes de suas histórias recíprocas, ambos, vivendo e
dividindo processos criadores.


Como também nos ensina Freire,


“desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo
e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura
e da escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à
experiência comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas apenas
ligados à experiência do educador”. (1997, pg. 29).


Trata-se de aprofundar o que já sabemos, conhecer, desvelar e
interpretar diferentes dimensões da realidade – social, econômica,
política, ética, estética, ambiental, sexual, cultural, etc.  – e 
também do real – significando tudo o que existe dentro e fora da mente
humana, o que inclui o que é concreto, o que é abstrato, o que é
simbólico, o que é mitológico – descobrindo o que não sabemos e estando
sensíveis e humildes para aprender, com o outro, que nós mesmos podemos
mudar o rumo da nossa história pessoal quanto mais estivermos abertos às
mudanças.


Vivemos no século 21, às vezes ainda impregnados de princípios e
valores do século 19. Aí nos perguntamos: como podemos defender
transformações se nos declaramos pessoas dialógicas e mudancistas,
democráticas e sensíveis, mas se não formos capazes de mudar ou de
estarmos abertos a novas concepções de vida, de educação, a novas visões
de mundo e de natureza humana? Como influenciarmos mudanças se nos
mantivermos nas nossas certezas, nos nossos preconceitos, na nossa
pseudossabedoria e nas nossas inquestionáveis certezas? Quem já não
ouviu alguém dizer “eu sou assim e não mudo”! Podemos observar: quanto
mais certeza temos sobre algo, maior poderá ser o tamanho do nosso erro
e, também, maior possivelmente será a nossa ignorância. Paulo Freire
dizia, quando nos falava de seu pensamento complexo – sem se referir
exatamente à complexidade, que não é impossível estarmos certos de
alguma coisa. Impossível é estarmos absolutamente certos. (1997).


Reescrever a esperança - A esperança existe mas,
diante de certos contextos e desafios, temos a impressão de que, ela
própria, está em nós enfraquecida. Mas com determinação e com capacidade
de ler a realidade, o real e de sonhar com um mundo melhor, é que novas
esperanças se inscrevem em nossas vidas e no mundo em que vivemos.
Renovados em nossas esperanças, com a força dos encontros e dos projetos
dialógicos, democráticos e coletivos, percebemos que, aos poucos,
retomamos a força para que outras educações e outros mundos também sejam
reescritos. Segundo Paulo Freire,


“Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no
mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra
presença como um 'não eu' se reconhece como 'si própria'.  Presença que
pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma,
que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara,
avalia, valora, decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da
avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a
necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna
inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma
virtude”. (Freire, 1997, p. 20).


Ler a vida, ler o mundo e reescrever a esperança, significa tornar
estas leituras presentes em todas as fases de nossas vidas, dentro e
fora da escola em que vivemos, na qual estamos e atuamos como
aprendentes e ensinantes. “A mudança do mundo implica a dialetização
entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação,
no fundo, o nosso sonho”. (Idem, p. 88). Ler, interpretar e transformar
o mundo são práticas de quem deseja construir, efetivamente, outros
mundos e outras educações, possíveis, necessárias e urgentes. Com
“paciência impaciente” e com “esperança sem espera”.


Referências bibliográficas


FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, Cortes, 37 ed., 1999.


FREIRE, Paulo. Prefácio À Edição Brasileira. In: SNYDERS, Georges. Alunos felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2005. p. 9-10.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1997.


GADOTTI, Moacir. Gestão democrática com participação popular: planejamento e organização da educação nacional. São Paulo, Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2013. Cadernos de Formação v.6.
PADILHA, Paulo Roberto. Educar em todos os cantos: por uma educação intertranscultural. São Paulo, Cortez, 2007; Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2012.


Paulo Roberto Padilha é Pedagogo, mestre e doutor em educação
pela Faculdade de Educação da USP. Diretor do Instituto Paulo Freire.
Músico e bacharel em Ciências Contábeis. É autor de vários livros, entre
eles Educar em todos os cantos, Educação Integral, Educação cidadã, Município que Educa, Currículo Intertranscultural, Planejamento Dialógico.



E-mail:
padilha@paulofreire.org



www.paulofreire.org


[1]
“Black Bloc foi o termo sugerido de forma confusa na imprensa nacional.
Seriam jovens anarquistas anticapitalistas e antiglobalização, cujo lema
passa por destruir a propriedade de grandes corporações e enfrentar a
polícia. Nas capas de jornais e na boca dos âncoras televisivos, eram 'a
minoria baderneira' em meio a 'protestos que começaram pacíficos e
ordeiros'. Uma abordagem simplista diante de um fenômeno complexo”.
(reportagem da capa da Revista Carta Capital, por Piero Locatelli e
Willian Vieira, intitulada “O black bloc está na rua”. Edição 7 de
agosto de 2013 Ano XVIII No 760. pg. 22 a 26).


[2] Vejam só.... este texto foi escrito há exatamente 30 anos e 7 meses. Alguma semelhança com os  nossos dias não será pura coincidência. Infelizmente.



Por Paulo Roberto Padilha

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cartografias colaborativas, mapas afetivos e uma década de Google Maps | Andre Deak

Cartografias colaborativas, mapas afetivos e uma década de Google Maps | Andre Deak

Em 2014 o Google Maps completa 10 anos.
Nessa última década, não apenas o Google, mas muitos outros softwares e
iniciativas tornaram possível, e cada vez mais fácil, criar plataformas
que colocam coordenadas geográficas em pontos, áreas, regiões,
sentimentos. Ao mesmo tempo, os celulares com GPS tornaram-se mais e
mais comuns, e até a internet 3G, mesmo ruim e cara como é no Brasil,
permite o uso destes sistemas de localização com alguma facilidade.

Isso fez com que nos últimos anos houvesse uma incrível explosão no
uso de mapas digitais, praticamente para tudo. Temos mapas de arte nas ruas, mapas de trabalho degradante em frigoríficos, mapas de ciclovias, mapas de restaurantes, cruzamentos de incêndios em favelas com a alta imobiliária das regiões de São Paulo, mapas de incêndios na Amazônia, mapas do amor, mapa da cultura nas quebradas. Eu mesmo acompanho e tenho analisado mapas no www.mapasculturais.org.br.

Mapear coisas tornou-se, assim, uma espécie de fetiche, de moda, de
tendência, mas não apenas. Mapas ajudam a entender o mundo ao redor, e a
entender o nosso lugar nele. Também tornam visíveis pessoas,
sentimentos, histórias, que não estão nos mapas oficiais. Se a história é
contada pelos vencedores, os mapas também são feitos por eles -- e são
eles que decidem o que ou quem está ou não no mapa. Felizmente, agora
todos podemos contar nossas histórias, construir nossos próprios mapas.
As ferramentas estão nas nossas mãos.

Mas a abundância de mapas e mapeamentos tem gerado um problema
interessante: como combinar todos estes mapas? Será que não seria
interessante cruzar, talvez, desmatamento com violência? (digo porque já
fizemos isso em 2007: a faixa de maior desmatamento na Amazônia é
justamente onde estavam os municípios mais violentos do país). Que
relações poderíamos tirar do cruzamento espacial de informações
diversas?

Daí a importância em pensar ferramentas de mapeamento com códigos e
APIs abertas, para que as bases de dados possam ser lidas por outros
softwares. Se pudermos, ainda por cima, pensar em taxonomias (categorias
ou tags) que sejam as mesmas para diversos projetos, melhor ainda.
Porque se um projeto coloca "cinemas", e o outro coloca "salas de
cinema", as bases de dados já não irão conversar muito bem.

Estamos subindo mais informação a cada dia, numa velocidade
exponencial, para a rede. O desafio deste início do século 21 é
conseguir organizar tudo isso e ter um olhar integrado.