quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Laboratório de assistência técnica para habitação de interesse social

Compreende-se o termo laboratório no quadro das problemáticas designadas por Bruno Latour[1]: “Dê-me um laboratório e eu levantarei o mundo”. O laboratório é um lugar onde se pode inverter a escala dos fenômenos para lê-los e compreendê-los; um lugar para captar a atenção dos outros e por outro lado observar-los e ao mundo, diversamente em termos topológicos; um lugar para transpor não apenas escalas, mas as relações entre contexto social e contexto da ciência e da tecnologia; um lugar de abordar os interesses por meio de métodos e práticas para realizar objetivos concretos; um local para acompanhar objetos mediante suas transformações (fazer registros históricos, diagnósticos, prognósticos, projetos). O laboratório estabelece o uso de novas linguagens de análise e inscrição (história, ação, gestão) que facilitam o estudo de materiais selecionados, deslocando saberes saturados em direção a novos domínios e novas formas de atuação.
Dado que as práticas do laboratório conduzem constantemente as transposições entre interior (do campo disciplinar, da academia, do escritório) e o mundo afora, se delineia a topologia e a mecânica de trabalho necessária a atuar na realidade vivida. Pois os contextos políticos, econômicos, sociais, culturais têm mudado substancialmente, sobretudo o mundo do trabalho e do saber. Isso requer o estabelecimento de novas pontes entre a arquitetura e o urbanismo a realidade[2].
O laboratório (que desejamos no Emau, para aprendizado e prática de assistência técnica) coloca-se à prova tanto para as estruturas acadêmicas quanto relativamente às estruturas profissionais, se posicionando desde ao ensino técnico, à graduação, mas, sobretudo, ao acolhimento, à reflexão e à avaliação da implantação e da difusão da assistência técnica por parte de profissionais e do seu público-alvo.
A evolução tecnológica — eletrônica, informática, cibernética, telemática, biotecnológica, etc — provoca mudanças de ‘percepção’ que atinge de forma muito diferente as instâncias da reprodução social. Há descompasso entre a evolução tecnológica e o universo cultural.  Além disso, as instituições não tem se mostrado o suficiente capazes  de canalizar as tecnologias e os saberes para conversão destes em bem público. A complexidade e a diversidade do mundo contemporâneo requerem instrumentos mais ágeis, flexíveis e participativos[3].
Hoje o fator essencial da produção é o conhecimento intensivo. Se a intenção é a elevação da produtividade social devem-se abordar os diversos universos tecnológicos, as exigências técnicas de diversos setores de atividades e os diversos impactos sobre a sociedade. A promoção da inteligência social é imprescindível. A importância do conhecimento nos processos de reprodução social coloca o desafio de assegurar a reprodução e a circulação de conhecimento, assim como sua generalização nos diversos setores da sociedade. A questão não é mais o monopólio dos meios de produção, contudo, o controle do conhecimento[4]


[1] LATOUR, Bruno. Dadme un laboratorio y levantaré el Mundo. Publicación original: "Give Me a Laboratory and I will Raise the World", en: K. Knorr-Cetina y M. Mulkay (eds.), Science Observed: Perspectives on the Social Study of Science, Londres: Sage, 1983, pp. 141-170. Versión castellana de Marta I. González García. Organização dos Estados Ibero-Americanos para Educação e Cultura.
[2] ABALOS, Iñaki. Atlas Pintoresco. Vol. 1: El Observatório. Barcelona: Gustavo Gili, 2005
[3] DOWBOR, Ladislau. A reprodução social. Ed Vozes, 2002
[4] Idem. Ibidem.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A articulação entre as atividades de ensino, de extensão e de pesquisa

Texto pensado para editais e como parte do catálogo que fizemos para os moradores de São Benedito
Autores: Clara Miranda, Samira Proeza, Pedro Moreira, Lilian Dazzi, Stephanie Azevedo, Bruno Bowen

Os princípios que fundamentam a articulação entre ensino, extensão e pesquisa convergem com as demandas sociais pela democratização da universidade pública. Tanto no que diz respeito à inclusão de grupos sociais e seus saberes (populares) na concepção e avaliação das propostas, dos projetos e das intervenções para os territórios populares quanto na distribuição de saberes produzidos na universidade e das ações encaminhadas a grupos deles excluídos.
Compreende-se que o papel da universidade é crucial na definição e na resolução coletiva dos problemas sociais diante das polarizações e das contradições configuradas no contexto da globalização. Expressas, por exemplo, através da concentração das decisões, da coordenação e do poder sobre a produção (e conhecimentos) em cidade ou em países centrais em detrimento da propagação da produção rotineira, com impactos sobre os recursos e o ambiente nos países periféricos.
As idéias instituídas a partir do Consenso de Washington da soberania do mercado (MARICATO, 2002, p. 133) podem ser confrontadas com a constatação de que o mercado não é um bom alocador de fatores de produção (DOWBOR, 2002). E já se vive em outro momento desse capitalismo desde a crise de 2008, que requer novas idéias.
A importância do conhecimento nos processos de reprodução social nos coloca desafios que não estamos acostumados a enfrentar: trata-se não só de adquirir o conhecimento mas de assegurar sua reprodução, circulação, generalização nos diversos setores da sociedade. A questão não é mais o monopólio dos meios de produção mas o controle do conhecimento.(DOWBOR, op. cit, p. 102).

 O redirecionamento da universidade confere centralidade às atividades de extensão (SOUSA SANTOS, 2005) que se dirijam ao apoio solidário na resolução dos problemas de exclusão e discriminação sociais. Boaventura Sousa Santos indica a pesquisa-ação e a ecologia dos saberes como instrumentos metodológicos que, no entanto, transcendem a extensão. Pois, sobretudo a pesquisa-ação consiste na definição e execução participativa de comunidades e movimentos sociais, articulando estes interesses sociais aos conhecimentos técnicos e científicos.
A criação de reciprocidades entre a academia e comunidades, e de articulações de cunho cooperativo entre universidade, outras instituições e movimentos organizados podem fazer circular novos processos de construção e de difusão de conhecimentos científicos. Neste caso, a pesquisa e o ensino de graduação e de pós-graduação podem atuar conjuntamente.
A problemática da habitação é parte da formação econômico-social capitalista, no quadro do mercado formal (sujeito as oscilações e humores do mercado) ou informal (expressando resistência ou exclusão social). O modo de produção da habitação extrapola os aspectos do mercado imobiliário, do déficit habitacional e da indústria da construção. Uma vez que,a produção do espaço habitacional se insere na produção do espaço em geral. As relações de produção assim como os meios de produção, não são simplesmente produto da sociedade se localizam no espaço como um todo.
A produção da moradia no contexto da reprodução das relações sociais implica na discussão de sistemas alternativos de direitos à propriedade (ver Valença, 2008, pp. 10-19) que concorre conseguintemente ao repensamento de tipologias habitacionais alternativas. Os sistemas alternativos de propriedade podem viabilizar a superação do endividamento insustentável do usuário e do controle da população no espaço. “Este controle que tem sido legitimado pelos discursos em torno da necessidade ancestral da “casa”” (KAPP; BALTAZAR DOS SANTOS & VELLOSO, 2006).
O papel da pesquisa em nível de graduação e em pós-graduação é fundamental. Kapp; Baltazar dos Santos e Velloso, (2006) alegam que:
 “são inúmeros os vínculos entre reprodução das relações sociais e produção de moradia. A maior parte deles ainda carece de análises realmente contundentes. Assim, embora uma investigação acerca da produção habitacional não seja o mesmo que uma investigação sobre a produção do espaço em geral, ela ainda assim não pode se esquivar da tentativa de compreender de forma abrangente o papel da moradia na sociedade contemporânea. Para isso, terá de ultrapassar delimitações disciplinares, inclusive aquela que tradicionalmente mantém a Arquitetura apartada da Economia.”
Neste sentido, também a atenção que na atuação de extensão se deve ter com a problemática da economia solidária se colocam em diversos aspectos – tal como a praticada pela Associação Ateliê de Idéias.


Referências


DOWBOR, Ladislau. A reprodução social. Ed Vozes, 2002
KAPP, Silke; BALTAZAR DOS SANTOS, Ana Paula; VELLOSO, Rita de Cássia Lucena. Morar de Outras Maneiras: Pontos de Partida para uma Investigação da Produção Habitacional. Topos Revista de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 4, p. 34-42, 2006.
SOUSA SANTOS, Boaventura de (Org.), Produzir Para Viver, Os caminhos de produção capitalista 2ª Edição, 2005 Civilização Brasileira. capítulo 1
VALENÇA, Márcio. Cidade (i)legal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.