quarta-feira, 17 de dezembro de 2014
terça-feira, 4 de novembro de 2014
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
Holloway: “superar capital explorando fissuras”
Holloway: “superar capital explorando fissuras”
ler no link
Autor de “Mudar o mundo sem tomar o poder” lança novo livro e
sustenta: “novas lógicas sociais multiplicam-se; desafio é
articulá-las”
Por Adriana Delorenzo, na Revista Fórum
Romper com o mundo como ele é e criar um diferente. Esse é o
objetivo de muitos militantes e ativistas. Mas como fazer para construir
uma realidade em que não haja Gaza nem Guantánamo nem poucos
bilionários e 1 bilhão de pessoas morrendo de fome? O cientista político
irlandês, radicado no México, John Holloway traz esse desafio em seu
novo livro Fissurar o capitalismo (Editora Publisher Brasil).
São 33 teses que explicam como criar rupturas no sistema para não
continuar a reproduzi-lo. Do idoso que cultiva hortas verticais em sua
sacada como forma de revolta contra o concreto e a poluição que o cerca.
Do funcionário público que usa seu tempo livre para ajudar doentes com
aids. Da professora que dedica sua vida contra a globalização
capitalista. São diversos exemplos trazidos pelo autor, de pessoas
comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar forma a suas vidas. No
entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer algo diferente. É aí
que surge o problema. “As fissuras são sempre perguntas, não respostas.”
Professor da Universidade Autonôma de Puebla, o trabalho de
Holloway tem influência do zapatismo, movimento que há quase 20 anos vem
tentando construir esse outro fazer. No México, essas fissuras têm sido
criadas, sem que se espere por uma revolução futura. Como trazido em
seu primeiro livro traduzido no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder,
Holloway acredita que pensar em revolução hoje é multiplicar essas
fissuras. “Uma revolução centrada no Estado é um processo altamente
autoantagonista, uma fissura que se expande e se engessa ao mesmo
tempo”, diz o autor na obra recém-lançada. Nesta entrevista à Fórum,
Holloway fala sobre os novos movimentos que vêm tomando as ruas em
diversos países do mundo, inclusive no Brasil.
ler no link
Autor de “Mudar o mundo sem tomar o poder” lança novo livro e
sustenta: “novas lógicas sociais multiplicam-se; desafio é
articulá-las”
Por Adriana Delorenzo, na Revista Fórum
Romper com o mundo como ele é e criar um diferente. Esse é o
objetivo de muitos militantes e ativistas. Mas como fazer para construir
uma realidade em que não haja Gaza nem Guantánamo nem poucos
bilionários e 1 bilhão de pessoas morrendo de fome? O cientista político
irlandês, radicado no México, John Holloway traz esse desafio em seu
novo livro Fissurar o capitalismo (Editora Publisher Brasil).
São 33 teses que explicam como criar rupturas no sistema para não
continuar a reproduzi-lo. Do idoso que cultiva hortas verticais em sua
sacada como forma de revolta contra o concreto e a poluição que o cerca.
Do funcionário público que usa seu tempo livre para ajudar doentes com
aids. Da professora que dedica sua vida contra a globalização
capitalista. São diversos exemplos trazidos pelo autor, de pessoas
comuns que recusam a lógica do dinheiro para dar forma a suas vidas. No
entanto, após a rejeição, é preciso tentar fazer algo diferente. É aí
que surge o problema. “As fissuras são sempre perguntas, não respostas.”
Professor da Universidade Autonôma de Puebla, o trabalho de
Holloway tem influência do zapatismo, movimento que há quase 20 anos vem
tentando construir esse outro fazer. No México, essas fissuras têm sido
criadas, sem que se espere por uma revolução futura. Como trazido em
seu primeiro livro traduzido no Brasil, Mudar o mundo sem tomar o poder,
Holloway acredita que pensar em revolução hoje é multiplicar essas
fissuras. “Uma revolução centrada no Estado é um processo altamente
autoantagonista, uma fissura que se expande e se engessa ao mesmo
tempo”, diz o autor na obra recém-lançada. Nesta entrevista à Fórum,
Holloway fala sobre os novos movimentos que vêm tomando as ruas em
diversos países do mundo, inclusive no Brasil.
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
terça-feira, 14 de outubro de 2014
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Bibliografias das oficinas realizadas na Casa Rui Barbosa agosto 2014
Oficina para amanhã, dia 21, quinta-feira, às 18 horas, na Casa Rui, com o tema "A Multidão em Formação – Commonwealth”, oferecida pelo Pedro Mendes.
Apesar da convocação em cima da hora, os textos de referência são:
1) Johnson, Steven. Emergence. The connected lives of aints, brains, cities and softwares.
2) Cocco, Giuseppe. Korpobraz.
3) Hardt, Michael & Negri, Antonio. Commonwealth. Part 6 - Revolution.
Viveiros de Castro. Filiação Intensiva e Aliança Demoníaca.
Apesar da convocação em cima da hora, os textos de referência são:
1) Johnson, Steven. Emergence. The connected lives of aints, brains, cities and softwares.
2) Cocco, Giuseppe. Korpobraz.
3) Hardt, Michael & Negri, Antonio. Commonwealth. Part 6 - Revolution.
Viveiros de Castro. Filiação Intensiva e Aliança Demoníaca.
No dia 27 de agosto, quarta-feira, às 18 horas, teremos o Bruno Cava continuando a leitura do Anti-Édipo, desta vez a Parte 2, “Máquinas Desejantes, Máquinas Leninistas”, capítulos 3 e 4.
Em 10 de setembro, quarta-feira, às 18 horas, a Oficina será oferecida pela Barbara Szaniecki, com tema “Outros Monstros Possíveis”, título do livro dela que será lançado nesse dia.
Em 24 de setembro, quarta-feira, às 18 horas, contaremos com a Raluca Soreanu, com o tema Facialidades e a Nova Estética do Protesto. Os textos de referência são:
1) Félix Guattari. 2011. Signifying Faciality, Diagrammatic Faciality. In The Machinic Unconscious: Essays in Schizoanalysis. Los Angeles: Semiotext(e), pp. 75-106 (translated by Taylor Adkins).
2) Félix Guattari. 2009. Everybody Wants to Be a Fascist. In Chaosophy: Texts and Interviews 1972-1977. Los Angeles: Semiotext(e), pp. 154-175.
3) Félix Guattari. 1992. Caosmose. Um novo paradigma estético. São Paulo, Editora 34 (tradução Ana Lúcia Oliveira e Lúcia Cláudia Leão).
4) Gilles Deleuze e Félix Guattari. 1996. Ano zero – rostidade. In Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, vol. 3. Rio de Janeiro: Editora 34, pp. 31 -62 (tradução de Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão)
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Destruir a universidade por VLADIMIR SAFATLE
"VLADIMIR SAFATLE
Destruir a universidade via facebook/ FSP
A Universidade de São Paulo está em greve desde o fim de maio. Se lembrarmos que no final do ano passado ela também estava em greve, chegaremos a duas longas greves em menos de um ano. Ou seja, vivemos em situação constante de crise.
Além de formar 92 mil alunos, a USP representa 25% de toda a pesquisa produzida pelo Brasil. Como sabemos que não há desenvolvimento sem criatividade e tecnologia, não haverá futuro para o Brasil sem passar pela discussão aprofundada sobre qual o destino de sua principal universidade e centro de pesquisa. No entanto, em pleno ano eleitoral, a última coisa da qual os candidatos a governo do Estado falam é sobre a crise das universidades paulistas.
A USP passa por uma situação bastante conhecida de todo brasileiro: uma instituição administrada de forma opaca que, no momento de modernizar-se, luta com todas suas forças para preservar seus arcaísmos. Agora, há um embate a respeito da natureza deste arcaísmo. Nosso reitor tem usado seu tempo para ir a imprensa e falar de regimes de trabalho arcaicos, profissionais acomodados, máquinas administrativas inchadas, entre outros. Para o cidadão, fica a parecer que a universidade tem atualmente um deficit de R$ 1 bilhão porque ela sustenta uma classe de funcionários semi-ociosa e atrasada.
No entanto, talvez seja mais correto afirmar que estamos em franco declínio porque somos administrados por pessoas que não se responsabilizam pelos seus próprios fracassos. Nossa atual reitoria fez parte da antiga reitoria, a mesma que deixou como legado a conhecida catástrofe orçamentária. Mas, em meio a um processo de construções de prédios sem recursos, abertura de escritórios de representação em Cingapura, Boston, Londres e gasto irresponsável do dinheiro público com projetos agora abandonados, tudo o que nossa burocracia universitária responde atualmente é: "Eu não sabia". Ou seja, ninguém sabia, ninguém viu. Pobre dinheiro público, administrado de tal forma.
Em qualquer lugar do mundo, isso levaria a sociedade a se perguntar sobre se nossa administração universitária é, de fato, adequada para os desafios que o Brasil se deu, se não seria o caso de repensar radicalmente a maneira com que nossas universidades são administradas, modernizá-las ouvindo sua comunidade e reformar nossas instituições. Ou seja, a sociedade poderia conhecer os modelos de administração universitária em outras partes do mundo e se perguntar porque o nosso não é adotado por praticamente ninguém. Mas aqui, por enquanto, só temos silêncio, cortes de pontos de funcionários e um governo do Estado que produziu a crise (pois impôs o reitor responsável por ela) e se finge de morto."
FSP
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Declaração de Idelber Avelar à Sininho:
Por motivos de necessidade, digamos, ativista, tenho consumido nos últimos dias alguns produtos das Organizações Globo: Fantástico, Jornal Nacional, Jornal da Globo, o jornal de papel. O que estas organizações estão fazendo -- no caso das rádios e das TVs, utilizando uma concessão pública -- contra os ativistas cariocas e, em especial, contra Sininho, é de tal cretinice, vileza e falta de vergonha que em um sistema político no qual essa expressão, "concessão pública", significasse qualquer coisa, elas já teriam, pelo menos, sido chamadas a dar explicações.
Vejo o rosto bonito de Sininho. Tão jovem, poderia ser minha filha. Vasculhada, espionada, perseguida, encarcerada arbitrariamente e, mesmo assim, não conseguem encontrar um mísero indício de que ela tenha cometido qualquer ato que vagamente se assemelhe a um crime. Recortam o verbo "bombar" no meio de uma gravação, fingindo que "bombar" é sinônimo de "bombardear", coisa que qualquer falante de português residente no Brasil sabe que é mentira. "Sininho torceu contra a Seleção" -- sim, o Jornal da Globo chegou a esse ponto. "Sininho teria levado quentinhas para os indígenas". Sininho isso, Sininho aquilo. E nada, nada que demonstre que ela fez qualquer coisa além do que eu e tantos outros fazemos todos os dias: ativismo político.
Governistas que passam o dia reclamando da mídia utilizam-se das manipulações dessa mesma mídia para criminalizar Sininho, chegando ao cúmulo de compará-la a, pasmem!, Sheherazade (http://naofo.de/nk9), recorrendo para isso, com estonteante má fé, a capas OPOSTAS da Revista Veja como se essas capas fossem sinônimas.
Elisa Quadros, Sininho, sua linda, eu não a conheço, mas não posso deixar de dizer: o que poderosas organizações de imprensa, Ministério Público, governos, polícia e partidos políticos estão fazendo com você me dá tanto nojo e tanta sensação de impotência que só me resta mesmo lhe mandar este recado, com a esperança de que você o receba um dia. Conte comigo para o que eu puder fazer. Espero, um dia, poder fazer algo mais que isto.
sábado, 5 de julho de 2014
sábado, 14 de junho de 2014
segunda-feira, 9 de junho de 2014
Haddad vai desapropriar 41 prédios para habitação popular
Dez prédios na região central, quatro deles ocupados hoje por sem-teto, estão sendo comprados ou já pertencem ao governo municipal; a Ocupação Mauá, na Luz, e a Ocupação Prestes Mais, na mesma região, vão virar moradia definitiva para os sem-teto; outros dois prédios tombados pelo patrimônio histórico, o Hotel Lorde, na região de Santa Cecília, e o Hotel Cambridge, na Bela Vista, serão revitalizados e transformados em conjuntos populares; prefeitura estima gastar R$ 220 milhões em desapropriações
O prefeito Fernando Haddad (PT) avalia que reformar os prédios ocupados no centro de São Paulo e transformá-los em moradias populares é uma forma de revitalizar a região. Dez prédios na região central, quatro deles ocupados hoje por sem-teto, estão sendo comprados ou já pertencem ao governo municipal. "Queremos adquirir 41 prédios, muitos estão ocupados de forma organizada há muito tempo. Agora, ocupação com menos de um ano não vai ficar", afirma José Floriano, secretário municipal de Habitação.
Ao falar das manifestações promovidas por sem-teto na cidade, ele diz que o governo atual considera legítimos os protestos e a forma de organização dos movimentos de moradia. "Há movimentos muito organizados, que realmente conseguem fazer um papel social importante ao acolher pessoas de baixa renda sem casa para morar. E tem movimentos que surgiram só agora, que querem credenciamento para construir casas do Minha Casa Minha Vida", diz Floriano.
A Ocupação Mauá, na Luz, e a Ocupação Prestes Mais, na mesma região, vão virar moradia definitiva para os sem-teto. Outros dois prédios tombados pelo patrimônio histórico, o Hotel Lorde, na região de Santa Cecília, e o Hotel Cambridge, na Bela Vista, serão revitalizados e transformados em conjuntos populares.
Para viabilizar a moradia no centro com financiamento de R$ 72 mil do Minha Casa Minha Vida, o governo municipal vai fazer um aporte de R$ 20 mil por imóvel, valor igual ao que será depositado pelo governo estadual. Além disso, entram os custos de revitalização de cada prédio. Para 2014, a Prefeitura estima gastar R$ 220 milhões em desapropriações – no ano passado, os gastos para comprar áreas particulares do governo foram de R$ 80 milhões.
Públicado no site http://www.brasil247.com/
THE IMPOSSIBILITY OF GROWTH
http://acasadevidro.com/2014/05/30/a-impossibilidade-do-crescimento-por-george-monbiot/
http://www.monbiot.com/2014/05/27/the-impossibility-of-growth/
ler nos links
THE IMPOSSIBILITY OF GROWTHGeorges Monbiot / The Guardian UK/ Tradução: Arlandson Matheus Oliveira
http://www.monbiot.com/2014/05/27/the-impossibility-of-growth/
ler nos links
THE IMPOSSIBILITY OF GROWTHGeorges Monbiot / The Guardian UK/ Tradução: Arlandson Matheus Oliveira
Sobre o EDITORIAL de A Gazeta em 8/06/2014
via https://www.facebook.com/franciscocelso.calmon
O EDITORIAL de A Gazeta é um primor de panfleto mentiroso ao pregar a inconstitucionalidade do decreto-lei 8.243, que estabelece A Política Nacional de Participação Social. A AG vem no rastro do Globo, FSP, Estadão, etc.
Em seu preâmbulo, a Carta de 1988 define a instituição de um Estado democrático "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]." Dentre os princípios que alicerçam o Estado brasileiro destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana conforme previsto no artigo 1º, incisos II e III.
artigo 1º, parágrafo único, expressa o princípio da soberania popular pelo qual "todo o poder emana do povo" que o exerce através de seus representantes ou "diretamente", na forma estabelecida pela Constituição. Este princípio é a simbiose das concepções de democracia direta e democracia representativa, de modo a que seus efeitos sejam em proveito da coletividade, meta do Estado e da Administração Pública.
O grande jurista Dalmo Dallari se refere a esta questão da seguinte forma: "a participação popular significa a satisfação da necessidade do cidadão como indivíduo, ou como grupo, organização, ou associação, de atuar pela via legislativa, administrativa ou judicial no amparo do interesse público - que se traduz nas aspirações de todos os segmentos sociais."
Estão previstos no artigo 14 da Constituição Federal, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, também como direitos políticos.
Art. 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - Plebiscito
II - Referendo
III - Iniciativa Popular.
• Estes direitos foram regulamentados após dez anos da promulgação da Constituição de 88, com a publicação da Lei no 9.709 de 18 de novembro de 1998.
• Em 1990, a Lei Federal no. 8.142, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde .
• A Lei Federal no 8.069, de 13 de julho de 1990 - ECA.
Há duas grandes formas de participação popular : a participação direta, como a iniciativa popular legislativa, o referendo, o plebiscito; e a indireta como a participação por meio de ouvidor e através de Conselhos. Partindo desta base pode-se sintetizar: PODER LEGISLATIVO: a consulta prévia, as audiências públicas, iniciativa popular, plebiscito ou referendo; PODER EXECUTIVO: conselhos de gestão, direito de petição, ouvidor; PODER JUDICIÁRIO: ação popular, representação ao Ministério Público e ação civil pública.
Sendo o significado de democracia o governo do povo, pelo povo e para o povo, sem a garantia de participação da população não existe democracia real. Sem a sociedade organizada participando das questões estatais, há sempre o risco para que o autoritarismo ressurja e ocorram retrocessos nos direitos democráticos conquistados.
As instituições republicanas mantêm a democracia, mas o que garante, espraia, aprofunda, consolida e a torna irreversível é o protagonismo da sociedade civil organizada.
MAS A MÍDIA QUE APOIOU O GOLPE E A DITADURA É A MESMA QUE APLAUDIU DITADORES QUE PENSAVAM E SE EXPRESSAVAM ASSIM:
1964 - “O Brasil estava salvo do comunismo! Os crioulos não invadiriam mais as casas das pessoas de bem!”
“As empregadinhas voltariam a ficar de cabeça baixa!”
General Humberto de Alencar Castelo Branco
1985 - Jornalista: Se o Sr. Ganhasse um salário mínimo, o que faria?
João Figueiredo: Dava um tiro na cabeça!
(...) EMBORA AINDA FALTE MUITO, É ESTA PARTICIPAÇÃO POPULAR QUE IRÁ CONTRIBUIR PARA AVANÇAR MAIS RÁPIDO NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DIGNOS.
O EDITORIAL de A Gazeta é um primor de panfleto mentiroso ao pregar a inconstitucionalidade do decreto-lei 8.243, que estabelece A Política Nacional de Participação Social. A AG vem no rastro do Globo, FSP, Estadão, etc.
Em seu preâmbulo, a Carta de 1988 define a instituição de um Estado democrático "destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]." Dentre os princípios que alicerçam o Estado brasileiro destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana conforme previsto no artigo 1º, incisos II e III.
artigo 1º, parágrafo único, expressa o princípio da soberania popular pelo qual "todo o poder emana do povo" que o exerce através de seus representantes ou "diretamente", na forma estabelecida pela Constituição. Este princípio é a simbiose das concepções de democracia direta e democracia representativa, de modo a que seus efeitos sejam em proveito da coletividade, meta do Estado e da Administração Pública.
O grande jurista Dalmo Dallari se refere a esta questão da seguinte forma: "a participação popular significa a satisfação da necessidade do cidadão como indivíduo, ou como grupo, organização, ou associação, de atuar pela via legislativa, administrativa ou judicial no amparo do interesse público - que se traduz nas aspirações de todos os segmentos sociais."
Estão previstos no artigo 14 da Constituição Federal, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, também como direitos políticos.
Art. 14 – A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - Plebiscito
II - Referendo
III - Iniciativa Popular.
• Estes direitos foram regulamentados após dez anos da promulgação da Constituição de 88, com a publicação da Lei no 9.709 de 18 de novembro de 1998.
• Em 1990, a Lei Federal no. 8.142, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde .
• A Lei Federal no 8.069, de 13 de julho de 1990 - ECA.
Há duas grandes formas de participação popular : a participação direta, como a iniciativa popular legislativa, o referendo, o plebiscito; e a indireta como a participação por meio de ouvidor e através de Conselhos. Partindo desta base pode-se sintetizar: PODER LEGISLATIVO: a consulta prévia, as audiências públicas, iniciativa popular, plebiscito ou referendo; PODER EXECUTIVO: conselhos de gestão, direito de petição, ouvidor; PODER JUDICIÁRIO: ação popular, representação ao Ministério Público e ação civil pública.
Sendo o significado de democracia o governo do povo, pelo povo e para o povo, sem a garantia de participação da população não existe democracia real. Sem a sociedade organizada participando das questões estatais, há sempre o risco para que o autoritarismo ressurja e ocorram retrocessos nos direitos democráticos conquistados.
As instituições republicanas mantêm a democracia, mas o que garante, espraia, aprofunda, consolida e a torna irreversível é o protagonismo da sociedade civil organizada.
MAS A MÍDIA QUE APOIOU O GOLPE E A DITADURA É A MESMA QUE APLAUDIU DITADORES QUE PENSAVAM E SE EXPRESSAVAM ASSIM:
1964 - “O Brasil estava salvo do comunismo! Os crioulos não invadiriam mais as casas das pessoas de bem!”
“As empregadinhas voltariam a ficar de cabeça baixa!”
General Humberto de Alencar Castelo Branco
1985 - Jornalista: Se o Sr. Ganhasse um salário mínimo, o que faria?
João Figueiredo: Dava um tiro na cabeça!
(...) EMBORA AINDA FALTE MUITO, É ESTA PARTICIPAÇÃO POPULAR QUE IRÁ CONTRIBUIR PARA AVANÇAR MAIS RÁPIDO NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DIGNOS.
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Midia NINJA
Midia NINJA
No mesmo dia em que é aprovado o Plano Nacional de Educação, apesar de
os 10% do PIB não serem somente destinados para a garantia de um padrão
mínimo de qualidade na educação publica em cada localidade do país
(CAQi), por conta de parte desse recurso ser destinado ao Fies e Prouni,
professores de Rio de Janeiro, São Luis, Juiz de Fora, Vitória,
Goiânia, São Paulo e Belo Horizonte seguem a mobilização na luta por um
dos direitos fundamentais de qualquer sociedade desenvolvida.
No mesmo dia em que é aprovado o Plano Nacional de Educação, apesar de
os 10% do PIB não serem somente destinados para a garantia de um padrão
mínimo de qualidade na educação publica em cada localidade do país
(CAQi), por conta de parte desse recurso ser destinado ao Fies e Prouni,
professores de Rio de Janeiro, São Luis, Juiz de Fora, Vitória,
Goiânia, São Paulo e Belo Horizonte seguem a mobilização na luta por um
dos direitos fundamentais de qualquer sociedade desenvolvida.
Os professores mostram que estão formando toda uma
geração com exemplos de cidadania e luta por direitos socais e assim
educam seus alunos na prática, com aulas de como levantar a voz para
garantir seu espaço sem desrespeitar o outro, estando abertos ao dialogo
e tornando-se atores políticos contundentes. A chamada diária das salas
de aula agora se dá nas ruas, onde todos, alunos, pais e mestres estão
presentes. São milhares de escolas em greve em todo país. Educadores
municipais, estaduais e federais vem se organizando em diferentes
levantes, sempre com uma premissa básica: o reconhecimento da profissão
como base indissociável da formação de uma sociedade e valorização dos
profissionais envolvidos nesse processo.
geração com exemplos de cidadania e luta por direitos socais e assim
educam seus alunos na prática, com aulas de como levantar a voz para
garantir seu espaço sem desrespeitar o outro, estando abertos ao dialogo
e tornando-se atores políticos contundentes. A chamada diária das salas
de aula agora se dá nas ruas, onde todos, alunos, pais e mestres estão
presentes. São milhares de escolas em greve em todo país. Educadores
municipais, estaduais e federais vem se organizando em diferentes
levantes, sempre com uma premissa básica: o reconhecimento da profissão
como base indissociável da formação de uma sociedade e valorização dos
profissionais envolvidos nesse processo.
No
interior de Alagoas técnicos e professores da IFAL estão há 46 dias em
greve, no estado do Rio de Janeiro desde o dia 12 de maio parados, em
Goiânia a paralisação completa 1 semana no dia do amistoso da Copa do
Mundo, em São Luis a movimentação dos docentes foi considerada ilegal,
mas em São Paulo os municipais conseguiram fechar acordo coletivo que
atendesse a categoria. Em Minas Gerais a Superintendência de Ensino do
estado está ocupada desde segunda-feira e em Vila Velha o protesto parou
o trânsito na terceira ponte. Dezenas de outras cidades encampam atos e
mobilizações para chamar a atenção da sociedade e do poder público para
a pauta.
interior de Alagoas técnicos e professores da IFAL estão há 46 dias em
greve, no estado do Rio de Janeiro desde o dia 12 de maio parados, em
Goiânia a paralisação completa 1 semana no dia do amistoso da Copa do
Mundo, em São Luis a movimentação dos docentes foi considerada ilegal,
mas em São Paulo os municipais conseguiram fechar acordo coletivo que
atendesse a categoria. Em Minas Gerais a Superintendência de Ensino do
estado está ocupada desde segunda-feira e em Vila Velha o protesto parou
o trânsito na terceira ponte. Dezenas de outras cidades encampam atos e
mobilizações para chamar a atenção da sociedade e do poder público para
a pauta.
A precariedade das escolas e o
desmantelamento de um sistema educacional comprometido com a sociedade
fazem com que a categoria seja uma das mais ativas na história sindical
brasileira. A última grande mobilização que atingiu todo país foi
durante a greve dos 100 dias, quando o número de municípios atendidos
por universidades ou institutos federais pulou de 114, em 2003, para
237, em 2011. Na época, o súbito crescimento do setor deixou várias
universidades com infraestrutura pífias e os professores não aceitaram
entrar na sala de aula por mais de 3 meses. O que ainda ocorre nas
esferas municipais e estaduais.
desmantelamento de um sistema educacional comprometido com a sociedade
fazem com que a categoria seja uma das mais ativas na história sindical
brasileira. A última grande mobilização que atingiu todo país foi
durante a greve dos 100 dias, quando o número de municípios atendidos
por universidades ou institutos federais pulou de 114, em 2003, para
237, em 2011. Na época, o súbito crescimento do setor deixou várias
universidades com infraestrutura pífias e os professores não aceitaram
entrar na sala de aula por mais de 3 meses. O que ainda ocorre nas
esferas municipais e estaduais.
Hoje, por mais
que o setor tenha galgado os 75% do fundo social do pré sal e exista uma
política em debate constante dentro do congresso para que a formação de
jovens, crianças e adultos seja prioridade, muitos municípios e estados
continuam vivendo a dura realidade dentro das salas de aula. Um dos
motivos é que os recursos federais previstos para investimento em
educação são mal distribuídos. Para se ter uma ideia, quanto menor a
esfera do ente, menor é o valor repassado a seu ensino, ainda que com
iguais ou até maiores responsabilidades na gestão da educação local, o
quadro negro segue em branco, mesmo quando esse quadro não passa de uma
parede.
que o setor tenha galgado os 75% do fundo social do pré sal e exista uma
política em debate constante dentro do congresso para que a formação de
jovens, crianças e adultos seja prioridade, muitos municípios e estados
continuam vivendo a dura realidade dentro das salas de aula. Um dos
motivos é que os recursos federais previstos para investimento em
educação são mal distribuídos. Para se ter uma ideia, quanto menor a
esfera do ente, menor é o valor repassado a seu ensino, ainda que com
iguais ou até maiores responsabilidades na gestão da educação local, o
quadro negro segue em branco, mesmo quando esse quadro não passa de uma
parede.
Resposta a Nuno Ramos: "Isso passa"
"MARCELO COELHO via facebook, Andre Vallias
Isso passa
Li algumas vezes o artigo de Nuno Ramos, publicado quarta-feira passada na Folha, e continuo sem entender direito o que ele quis dizer.
Ele transmitiu, com espírito associativo de artista, as inquietações vagas de muita gente a respeito do futuro do país. Mas retratar sentimentos nebulosos é insuficiente --e o artigo termina com um lance retórico de alto impacto: "Suspeito que estamos fodidos".
A graça da coisa está em preparar secretamente o leitor para esse estampido final. O texto inteiro acumulava uma série de "suspeitas", com os parágrafos começando de maneira idêntica, para tratar das coisas mais variadas.
Nuno Ramos "suspeita" que a violência seja o tema principal da sociedade brasileira, encadeia isso a uma associação com a estreiteza das praias urbanas, com os shows de Luciano Huck, com a falência do tropicalismo, com a falsa intimidade da dupla do "Jornal Nacional", com a dívida que temos em relação a "priápicos" e "tiozinhos de padaria".
Expostas essas "suspeitas", e outras mais, vem a conclusão (ao mesmo tempo inapelável, arbitrária e conjetural): "Suspeito que estamos fodidos".
Não digo que estejamos ou não. Acho apenas que o efeito da última frase depende muito pouco do que veio antes. Ou melhor, sinto falta de encadeamento lógico no artigo --que acumula coisas como uma instalação.
Por certo, a violência na sociedade brasileira é e sempre foi muito grande. Uma das obras mais marcantes de Nuno Ramos, aliás, foi a instalação "111", cujo motivo era o massacre dos presos do Carandiru, em 1992.
Estamos hoje pior do que em 1992? Ou 1971? Não sei dizer; a novidade, em nossa ampla história de massacres de presos e torturas, talvez seja a de que a violência se reveste de bandeiras políticas contraditórias.
Os generais negavam que houvesse tortura. O governador Fleury nunca disse que desejava a morte dos presidiários. Hoje, quando amarram um menor de rua pelado a um poste, há quem aplauda. À esquerda, os black blocs defendem atos violentos contra "a violência dos bancos".
Essa nova "ideologização" da violência, com a defesa do linchamento imediato de delinquentes, ou a irrupção de vandalismo em movimentos que até a véspera eram pacíficos, teria então a ver com o que Nuno Ramos chama de "sentimento de agoridade" que assola o país.
Será por isso que ele "suspeita" da necessidade de "maior lentidão e inércia"? Será uma proposta política, uma proposta moral ou uma proposta estética?
Mas Nuno Ramos passa a outro assunto. Há prédios feios e desconectados da cidade (com o que concordo plenamente). Desconectados porque a classe média teme a violência? Mas por que acrescentar a ideia de que o Instituto do Patrimônio Histórico está aliado à especulação imobiliária?
Segue-se a "suspeita" de que há crueldade nos programas de TV. Mas isso é antigo, como Nuno bem sabe; ao lembrar-se de que Chacrinha jogava bacalhau na plateia há 40 anos, ele dá mais uma volta.
Os tropicalistas gostavam dos despautérios de Chacrinha, mas o tropicalismo talvez "tenha naturalizado nossa indústria cultural até um ponto sem retorno". Seria agora o momento de "perceber o tiquinho de crueldade" que havia nos programas de auditório.
O que isso significa? Que antigamente seria aceitável flertar com a indústria cultural, e agora não mais?
Mais adiante, Nuno Ramos "suspeita" que o Plano Real e o Bolsa Família não estejam distantes do "imaginário desenvolvimentista" da ditadura militar. Sim? Não? Talvez?
Será, por fim, verdade que privatizaram "a risada e o pôr do sol"? Devemos reclamar do fato que o lado positivo da vida está a serviço de interesses comerciais? Será que devemos reivindicá-lo para nossa arte, nosso jornalismo, nossa política?
Não digo que, com este último suspiro, Nuno Ramos esteja propondo que se abandone o espírito crítico. É seu espírito crítico que parece não achar exatamente um alvo.
A melancolia corresponde a uma perda de objeto: algo entre 1970 e 2014, não sabemos, está ou estava certo ou errado, mas de todo modo o país não tem volta. A sociedade se acelera; Nuno Ramos quer mais lentidão.
Suspeito que seu mal-estar tenha a ver com a emergência de novos atores sociais; suspeito que tenha a ver com certa angústia pré-Copa do Mundo; com a desaceleração do crescimento; com a ressaca de junho; suspeito que a melancolia passa logo."
FSP
Isso passa
Li algumas vezes o artigo de Nuno Ramos, publicado quarta-feira passada na Folha, e continuo sem entender direito o que ele quis dizer.
Ele transmitiu, com espírito associativo de artista, as inquietações vagas de muita gente a respeito do futuro do país. Mas retratar sentimentos nebulosos é insuficiente --e o artigo termina com um lance retórico de alto impacto: "Suspeito que estamos fodidos".
A graça da coisa está em preparar secretamente o leitor para esse estampido final. O texto inteiro acumulava uma série de "suspeitas", com os parágrafos começando de maneira idêntica, para tratar das coisas mais variadas.
Nuno Ramos "suspeita" que a violência seja o tema principal da sociedade brasileira, encadeia isso a uma associação com a estreiteza das praias urbanas, com os shows de Luciano Huck, com a falência do tropicalismo, com a falsa intimidade da dupla do "Jornal Nacional", com a dívida que temos em relação a "priápicos" e "tiozinhos de padaria".
Expostas essas "suspeitas", e outras mais, vem a conclusão (ao mesmo tempo inapelável, arbitrária e conjetural): "Suspeito que estamos fodidos".
Não digo que estejamos ou não. Acho apenas que o efeito da última frase depende muito pouco do que veio antes. Ou melhor, sinto falta de encadeamento lógico no artigo --que acumula coisas como uma instalação.
Por certo, a violência na sociedade brasileira é e sempre foi muito grande. Uma das obras mais marcantes de Nuno Ramos, aliás, foi a instalação "111", cujo motivo era o massacre dos presos do Carandiru, em 1992.
Estamos hoje pior do que em 1992? Ou 1971? Não sei dizer; a novidade, em nossa ampla história de massacres de presos e torturas, talvez seja a de que a violência se reveste de bandeiras políticas contraditórias.
Os generais negavam que houvesse tortura. O governador Fleury nunca disse que desejava a morte dos presidiários. Hoje, quando amarram um menor de rua pelado a um poste, há quem aplauda. À esquerda, os black blocs defendem atos violentos contra "a violência dos bancos".
Essa nova "ideologização" da violência, com a defesa do linchamento imediato de delinquentes, ou a irrupção de vandalismo em movimentos que até a véspera eram pacíficos, teria então a ver com o que Nuno Ramos chama de "sentimento de agoridade" que assola o país.
Será por isso que ele "suspeita" da necessidade de "maior lentidão e inércia"? Será uma proposta política, uma proposta moral ou uma proposta estética?
Mas Nuno Ramos passa a outro assunto. Há prédios feios e desconectados da cidade (com o que concordo plenamente). Desconectados porque a classe média teme a violência? Mas por que acrescentar a ideia de que o Instituto do Patrimônio Histórico está aliado à especulação imobiliária?
Segue-se a "suspeita" de que há crueldade nos programas de TV. Mas isso é antigo, como Nuno bem sabe; ao lembrar-se de que Chacrinha jogava bacalhau na plateia há 40 anos, ele dá mais uma volta.
Os tropicalistas gostavam dos despautérios de Chacrinha, mas o tropicalismo talvez "tenha naturalizado nossa indústria cultural até um ponto sem retorno". Seria agora o momento de "perceber o tiquinho de crueldade" que havia nos programas de auditório.
O que isso significa? Que antigamente seria aceitável flertar com a indústria cultural, e agora não mais?
Mais adiante, Nuno Ramos "suspeita" que o Plano Real e o Bolsa Família não estejam distantes do "imaginário desenvolvimentista" da ditadura militar. Sim? Não? Talvez?
Será, por fim, verdade que privatizaram "a risada e o pôr do sol"? Devemos reclamar do fato que o lado positivo da vida está a serviço de interesses comerciais? Será que devemos reivindicá-lo para nossa arte, nosso jornalismo, nossa política?
Não digo que, com este último suspiro, Nuno Ramos esteja propondo que se abandone o espírito crítico. É seu espírito crítico que parece não achar exatamente um alvo.
A melancolia corresponde a uma perda de objeto: algo entre 1970 e 2014, não sabemos, está ou estava certo ou errado, mas de todo modo o país não tem volta. A sociedade se acelera; Nuno Ramos quer mais lentidão.
Suspeito que seu mal-estar tenha a ver com a emergência de novos atores sociais; suspeito que tenha a ver com certa angústia pré-Copa do Mundo; com a desaceleração do crescimento; com a ressaca de junho; suspeito que a melancolia passa logo."
FSP
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Suspeitas Resposta de Wisnik a texto de Nuno Ramos - Jornal O Globo
Suspeitas - Jornal O Globo
Resposta de Wisnik a texto de Nuno Ramos
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/suspeitas-12665448#ixzz33mbxeEIg
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Resposta de Wisnik a texto de Nuno Ramos
Suspeitas
José Miguel Wisnik
Reflexões a partir do provocativo artigo de Nuno Ramos na 'Folha de S.Paulo'
O artigo do multiartista escritor Nuno Ramos na “Folha de S.Paulo”, na última quarta-feira, intitulado “Suspeito que estamos...”,
trata do estado da coisa com que nos debatemos diariamente sem saber
direito como debatê-la — o Brasil. Sugiro, a quem não leu, que leia o
quanto antes, se possível antes mesmo de ler isso aqui. Entre outras
implicações, o texto fala da violência que nos faz girar com ela “como
um animal preso no poste”; da “burrice urbana” a se espalhar por São
Paulo, Salvador, São Luís, Manaus, Natal; do “Caldeirão do Hulk”, do
Tropicalismo, de Ivete Sangalo, do “Jornal Nacional”; do Estado e da
esfera privada, da política e da economia, do Plano Real, do Bolsa
Família, da ditadura e da democracia; de Paulo Coelho, do padre Marcelo
Rossi e do pastor Edir Macedo; da Portuguesa de Desportos e de Galvão
Bueno; tudo apontando para os personagens anônimos da nossa dívida
interna insaldável.
Como embrulhar num pacote só essa mixórdia de história social, urbanismo, indústria cultural, política, economia, religião e futebol, indo do plano geral ao close, sem pretensão, sem cair no vozerio das opiniões e sem perder o fio? O fato é que a novidade do texto está, antes do que em seus conteúdos, no modo como chega a eles. Nuno Ramos diz ter relutado em aceitar o convite para escrever na página de Tendências e Debates da “Folha” por não se sentir preparado para tratar de nenhum dos temas propostos pelo jornal — por não ser autoridade em nenhum. Quando aceita, é para falar não do que sabe, mas do que suspeita. O artigo tem, então, a forma de uma engenhosa enumeração de suspeitas interligadas sobre o Brasil atual, com autoridade dúbia de escritor que, assumindo a condição do não sabido, vasa as fronteiras entre os assuntos e acaba formulando o que não se diz. É desse fraseado, dessa espécie de drible ensaístico e poético, que saem os estranhos gols que vêm na sequência. Inclusive porque o estado de suspeita, isto é, de latência, de um processo não formado que se lê nos indícios, é o melhor canal de contato, talvez o único, com aquilo que estamos vivendo.
Acredito ter lido hoje uma notícia que dá o Brasil como campeão mundial de homicídios. Nuno Ramos suspeita que a violência seja “o tema primordial e decisivo da sociedade brasileira”, a marcar viciosamente todos os outros. A convivência direta ou indireta, visível ou obscura, histórica e atual, com assassinatos, age como um “vírus de mutações constantes e velozes”, confundindo as noções de alto e baixo, direito e esquerdo, bem e mal, certo e errado, sugadas para o ralo de uma agoridade sem lastro cujo meio por excelência, agora suspeito eu, é a televisão, com sua onipresença sem contraponto e sem contraste.
Antes de chegar a ela, Nuno testemunha as cidades que apodrecem ao sol, onde ruínas tombadas pelo Iphan copulam com “despautérios azulejados de 30 andares”, desconectados de qualquer propósito cívico, e onde as praias estão comprimidas por paredões egoístas de edifícios. (Acredito que o filme “O som ao redor” capture essa mesma imagem de uma violência surda entranhada na paisagem urbana.)
As cenas de redenção de pobres, promovidas no programa de Luciano Hulk, mereceriam ser vistas naquilo que têm de cruel, humilhante e cretino. Ganharíamos em ter claro, suspeita ele, o que há de ridículo na coreografia de rostos virando de um para o outro e do outro para a câmera, com decorada naturalidade, na cena diária do “Jornal Nacional”: por que a nossa mais onipresente fonte de notícias precisa, afinal, desse teatro infantil? Por que as figuras televisivas ganham o status de ícones intocáveis, à maneira dos santos? E o que representa, em termos de violência imaginária e real, acrescento eu, o bombardeio publicitário incessante que acena com emplastos Brás Cubas miríficos — bebidas, automóveis, cartões de crédito — a uma sociedade fortemente desigual e a uma população sem o poder aquisitivo correspondente?
Acho que esse gap acompanha aquele outro apontado por Nuno Ramos: a migração contemporânea do imaginário político para o econômico se fez aqui, ao contrário dos países desenvolvidos, sem que uma razoável distribuição de renda tivesse ocorrido antes, sem que se pudesse prescindir do político, e sem que o Deus-PIB se curvasse ainda, e muito mais, ao Deus-cidadania. O PT, que deveria cumprir esse papel histórico, não quis ou não pôde fazê-lo. Sobreveio um encurtamento da imaginação e da vontade política, e uma vida cultural cujos parâmetros se confundiram ou se perderam.
Não falo nada disso em tom menor. Sinto a demonstração da capacidade de abordar o imaginário nacional concreto — de Paulo Coelho, Marcelo Rossi e Edir Macedo como privatizadores do infinito, por exemplo — sem complacência, sem maniqueísmo e sem ressentimento, com imaginação crítica e artística, como um indício animador. Vejo isso nas reações de alegria que o texto de Nuno Ramos provocou.
Como embrulhar num pacote só essa mixórdia de história social, urbanismo, indústria cultural, política, economia, religião e futebol, indo do plano geral ao close, sem pretensão, sem cair no vozerio das opiniões e sem perder o fio? O fato é que a novidade do texto está, antes do que em seus conteúdos, no modo como chega a eles. Nuno Ramos diz ter relutado em aceitar o convite para escrever na página de Tendências e Debates da “Folha” por não se sentir preparado para tratar de nenhum dos temas propostos pelo jornal — por não ser autoridade em nenhum. Quando aceita, é para falar não do que sabe, mas do que suspeita. O artigo tem, então, a forma de uma engenhosa enumeração de suspeitas interligadas sobre o Brasil atual, com autoridade dúbia de escritor que, assumindo a condição do não sabido, vasa as fronteiras entre os assuntos e acaba formulando o que não se diz. É desse fraseado, dessa espécie de drible ensaístico e poético, que saem os estranhos gols que vêm na sequência. Inclusive porque o estado de suspeita, isto é, de latência, de um processo não formado que se lê nos indícios, é o melhor canal de contato, talvez o único, com aquilo que estamos vivendo.
Acredito ter lido hoje uma notícia que dá o Brasil como campeão mundial de homicídios. Nuno Ramos suspeita que a violência seja “o tema primordial e decisivo da sociedade brasileira”, a marcar viciosamente todos os outros. A convivência direta ou indireta, visível ou obscura, histórica e atual, com assassinatos, age como um “vírus de mutações constantes e velozes”, confundindo as noções de alto e baixo, direito e esquerdo, bem e mal, certo e errado, sugadas para o ralo de uma agoridade sem lastro cujo meio por excelência, agora suspeito eu, é a televisão, com sua onipresença sem contraponto e sem contraste.
Antes de chegar a ela, Nuno testemunha as cidades que apodrecem ao sol, onde ruínas tombadas pelo Iphan copulam com “despautérios azulejados de 30 andares”, desconectados de qualquer propósito cívico, e onde as praias estão comprimidas por paredões egoístas de edifícios. (Acredito que o filme “O som ao redor” capture essa mesma imagem de uma violência surda entranhada na paisagem urbana.)
As cenas de redenção de pobres, promovidas no programa de Luciano Hulk, mereceriam ser vistas naquilo que têm de cruel, humilhante e cretino. Ganharíamos em ter claro, suspeita ele, o que há de ridículo na coreografia de rostos virando de um para o outro e do outro para a câmera, com decorada naturalidade, na cena diária do “Jornal Nacional”: por que a nossa mais onipresente fonte de notícias precisa, afinal, desse teatro infantil? Por que as figuras televisivas ganham o status de ícones intocáveis, à maneira dos santos? E o que representa, em termos de violência imaginária e real, acrescento eu, o bombardeio publicitário incessante que acena com emplastos Brás Cubas miríficos — bebidas, automóveis, cartões de crédito — a uma sociedade fortemente desigual e a uma população sem o poder aquisitivo correspondente?
Acho que esse gap acompanha aquele outro apontado por Nuno Ramos: a migração contemporânea do imaginário político para o econômico se fez aqui, ao contrário dos países desenvolvidos, sem que uma razoável distribuição de renda tivesse ocorrido antes, sem que se pudesse prescindir do político, e sem que o Deus-PIB se curvasse ainda, e muito mais, ao Deus-cidadania. O PT, que deveria cumprir esse papel histórico, não quis ou não pôde fazê-lo. Sobreveio um encurtamento da imaginação e da vontade política, e uma vida cultural cujos parâmetros se confundiram ou se perderam.
Não falo nada disso em tom menor. Sinto a demonstração da capacidade de abordar o imaginário nacional concreto — de Paulo Coelho, Marcelo Rossi e Edir Macedo como privatizadores do infinito, por exemplo — sem complacência, sem maniqueísmo e sem ressentimento, com imaginação crítica e artística, como um indício animador. Vejo isso nas reações de alegria que o texto de Nuno Ramos provocou.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/suspeitas-12665448#ixzz33mbxeEIg
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sexta-feira, 23 de maio de 2014
domingo, 18 de maio de 2014
quinta-feira, 8 de maio de 2014
Um novo balanço de Junho
Um novo balanço de Junho
Michael Hardt pergunta, em livro sobre revoltas de 2013: “Como
movimentos atuais, organizados na forma da multidão, podem tornar-se
duradouros e efetivos contra poderes dominantes?”
Por Michael Hardt
–
Esse texto é prefácio do livro Amanhã vai ser maior: o levante da multidão no ano que não terminou, que terá seu lançamento* em São Paulo na quinta-feira 8/05, no Auditório 333 da PUC-SP as 19h30.
–
Inspirado por três dias de barricadas e insurreição nas ruas de
Paris, em junho de 1848, Karl Marx escreveu que o “leão proletário”
tinha se levantado e rugido. O proletariado parisiense revoltoso foi
rapidamente vencido, mas a sua face sombria e ameaçadora chegara à cena
da história. Nas “jornadas de junho” brasileiras, em 2013, a multidão
mostrou a sua face de modo semelhante. Embora não tenha vencido
imediatamente, este leão também pode anunciar notícias sobre nosso
futuro.
Dizer que as revoltas surgidas nas ruas de Rio e São, em 2013,
foram organizadas na forma da multidão significa dizer que, – em vez de
dirigidas pelo partido ou uma direção centralizada ou mesmo um comitê de
liderança acima das massas, – os movimentos foram auto-organizados,
conectados horizontalmente pelo território social. Os movimentos não
foram (e não se esforçam por ser) unificados e homogêneos, mas sim
encontraram meios adequados para exprimir suas diferenças e antagonismos
internos – e apesar de (ou por causa de) suas diferenças, descobriram
maneiras de troca comum e cooperação, gerando uma série de demandas e
perspectivas agrupadas na luta. Tal multidão não é desorganizada e não
se forma espontaneamente, ao invés disso, ela requer uma atividade
constante e intensa de organização.
A multidão no Brasil – como na Turquia, Espanha e em todos os lugares
do ciclo de lutas que se alonga desde 2011 – exige uma “democracia
real”, contra a democracia fantoche que nos vendem o tempo todo. É, de
fato, uma ideia bonita. Mas estariam as lutas políticas da multidão,
apesar de explodir ruidosamente em cena, condenadas a ser fugazes e
efêmeras, inefetivas contra os poderes dominantes? A falta de unidade e
liderança central minaria qualquer consequência política duradoura para
as lutas da multidão? Seria a vida dessa multidão “sem liderança” cheia
de barulho e de fúria, mas sem significar nada? Ou, ao contrário, seria a
força da multidão como o “leão proletário” de Marx: embora
temporariamente subjugado e aparentemente domado, uma força selvagem que
só vai ser verdadeiramente reconhecida no futuro?
Antes de abordar essas questões, devemos enfatizar duas condições
políticas e sociais contemporâneas que proveem o terreno sobre o que
surge as revoltas da multidão.
ir ao link principal
Michael Hardt pergunta, em livro sobre revoltas de 2013: “Como
movimentos atuais, organizados na forma da multidão, podem tornar-se
duradouros e efetivos contra poderes dominantes?”
Por Michael Hardt
–
Esse texto é prefácio do livro Amanhã vai ser maior: o levante da multidão no ano que não terminou, que terá seu lançamento* em São Paulo na quinta-feira 8/05, no Auditório 333 da PUC-SP as 19h30.
–
Inspirado por três dias de barricadas e insurreição nas ruas de
Paris, em junho de 1848, Karl Marx escreveu que o “leão proletário”
tinha se levantado e rugido. O proletariado parisiense revoltoso foi
rapidamente vencido, mas a sua face sombria e ameaçadora chegara à cena
da história. Nas “jornadas de junho” brasileiras, em 2013, a multidão
mostrou a sua face de modo semelhante. Embora não tenha vencido
imediatamente, este leão também pode anunciar notícias sobre nosso
futuro.
Dizer que as revoltas surgidas nas ruas de Rio e São, em 2013,
foram organizadas na forma da multidão significa dizer que, – em vez de
dirigidas pelo partido ou uma direção centralizada ou mesmo um comitê de
liderança acima das massas, – os movimentos foram auto-organizados,
conectados horizontalmente pelo território social. Os movimentos não
foram (e não se esforçam por ser) unificados e homogêneos, mas sim
encontraram meios adequados para exprimir suas diferenças e antagonismos
internos – e apesar de (ou por causa de) suas diferenças, descobriram
maneiras de troca comum e cooperação, gerando uma série de demandas e
perspectivas agrupadas na luta. Tal multidão não é desorganizada e não
se forma espontaneamente, ao invés disso, ela requer uma atividade
constante e intensa de organização.
A multidão no Brasil – como na Turquia, Espanha e em todos os lugares
do ciclo de lutas que se alonga desde 2011 – exige uma “democracia
real”, contra a democracia fantoche que nos vendem o tempo todo. É, de
fato, uma ideia bonita. Mas estariam as lutas políticas da multidão,
apesar de explodir ruidosamente em cena, condenadas a ser fugazes e
efêmeras, inefetivas contra os poderes dominantes? A falta de unidade e
liderança central minaria qualquer consequência política duradoura para
as lutas da multidão? Seria a vida dessa multidão “sem liderança” cheia
de barulho e de fúria, mas sem significar nada? Ou, ao contrário, seria a
força da multidão como o “leão proletário” de Marx: embora
temporariamente subjugado e aparentemente domado, uma força selvagem que
só vai ser verdadeiramente reconhecida no futuro?
Antes de abordar essas questões, devemos enfatizar duas condições
políticas e sociais contemporâneas que proveem o terreno sobre o que
surge as revoltas da multidão.
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Negri e nós |
Negri e nós |
Em
nosso tempo, as categorias e instituições políticas características da
“modernidade” estão em crise. Democracia, representação, partidos,
sistemas de welfare,
nada parece escapar à “fadiga dos materiais” que contamina até as
propostas de reforma que se apresentam. Mesmo as rebeliões e
insurgências metropolitanas dos últimos anos, apesar do potente desejo
de liberdade e igualdade que expressam, encontram limites que frustram a
construção de instituições e práticas alternativas. A tragédia das
revoluções do século XX, entre 1917 e 1968, malgrado os aspectos
positivos que legaram, parece se projetar sobre todos os esforços de
transformação que temos testemunhado.
nosso tempo, as categorias e instituições políticas características da
“modernidade” estão em crise. Democracia, representação, partidos,
sistemas de welfare,
nada parece escapar à “fadiga dos materiais” que contamina até as
propostas de reforma que se apresentam. Mesmo as rebeliões e
insurgências metropolitanas dos últimos anos, apesar do potente desejo
de liberdade e igualdade que expressam, encontram limites que frustram a
construção de instituições e práticas alternativas. A tragédia das
revoluções do século XX, entre 1917 e 1968, malgrado os aspectos
positivos que legaram, parece se projetar sobre todos os esforços de
transformação que temos testemunhado.
Como
ultrapassar essa angustiante situação? Como evitar que a potência
constituinte dos oprimidos seja aprisionada nas jaulas do constituído?
Como impedir que a ação política seja reduzida ao simulacro da
representação? Como pensar a constituição de um sujeito político que
escape à tentação do Uno e à tutela de vanguardas? O que pode nos
ensinar todo um acúmulo de derrotas?
ultrapassar essa angustiante situação? Como evitar que a potência
constituinte dos oprimidos seja aprisionada nas jaulas do constituído?
Como impedir que a ação política seja reduzida ao simulacro da
representação? Como pensar a constituição de um sujeito político que
escape à tentação do Uno e à tutela de vanguardas? O que pode nos
ensinar todo um acúmulo de derrotas?
Se
temos a sensibilidade marcada pelo amor à vida e por uma irrenunciável
solidariedade em relação aos que vivem e padecem as privações e
humilhações que nascem da desigualdade e da servidão; se ousamos pensar a
política a partir do antagonismo que opõe inconciliavelmente os
pequenos que desejam se liberar aos grandes que desejam oprimir; se
desejamos construir comunidade a partir do respeito às singularidades e
do reconhecimento da multiplicidade dos modos de viver, sentir, pensar e
produzir; se tomamos o capital como relação violenta de comando e
exploração sobre os que trabalham – então podemos compreender o que há
em comum entre Antonio Negri e nós.
temos a sensibilidade marcada pelo amor à vida e por uma irrenunciável
solidariedade em relação aos que vivem e padecem as privações e
humilhações que nascem da desigualdade e da servidão; se ousamos pensar a
política a partir do antagonismo que opõe inconciliavelmente os
pequenos que desejam se liberar aos grandes que desejam oprimir; se
desejamos construir comunidade a partir do respeito às singularidades e
do reconhecimento da multiplicidade dos modos de viver, sentir, pensar e
produzir; se tomamos o capital como relação violenta de comando e
exploração sobre os que trabalham – então podemos compreender o que há
em comum entre Antonio Negri e nós.
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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
domingo, 16 de fevereiro de 2014
Carta de Juarez Tavares a Roberto Requião, senador, 2014
O maior penalista brasileiro em defesa da democracia contra a "onda
reacionária" que envolve até setores da esquerda, pela repressão de
protestos:
"CARTA DO PROF. DR. JUAREZ TAVARES PARA O SEN. ROBERTO REQUIÃO
Caro Roberto,
Como você se deve lembrar, fomos colegas de turma na UFPR. Você se orientou para a política e eu, para a academia. Fiz cursos no exterior e cheguei ao topo da carreira docente, como professor titular de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor convidado-visitante nas universidades de Frankfurt, Buenos Aires e Sevilha. Igualmente, até completar 70 anos, exerci o cargo de Subprocurador-Geral da República.
Agora, diante dos projetos de criminalizar atos de terrorismo e, ainda mais, as chamadas "desordens", venho pedir ao caro colega e amigo que se posicione, de forma incisiva, contra a aprovação desses projetos.
Quando da edição do Estatuto de Roma, em 1998, que deu corpo jurídico ao Tribunal Penal Internacional, os signatários, orientados por assessores jurídicos de alta qualificação, rejeitaram a proposta de criminalizar o terrorismo por não encontrarem elementos seguros que pudessem ser usados na sua definição.
Mesmo em países que sofreram atos verdadeiros de terrorismo, como a Alemanha, sua definição sempre foi contestada pela doutrina e, hoje, se resume, praticamente, a uma especialização do crime de quadrilha. E,mesmo assim, são avassaladoras as críticas que se lhe fazem.
Deve-se ver, e você bem sabe disso, desde os tempos em que militávamos juntos na política estudantil, que não se pode confundir "terrorismo" com meras infrações de ordem pública. Para essas infrações, os países previram leis especiais: a Ordnungswidrigkeitsgesetz, na Alemanha, e a Lei de Contra Ordenações, em Portugal, as quais, todavia, não contemplam delitos ou crimes, mas, sim, uma forma branda de contravenção, punida com uma multa sem caráter criminal.
A criminalização de uma conduta de alta magnitude tem que ser resultado de uma ampla discussão, não apenas no âmbito parlamentar, mas na esfera pública em geral, nas ruas, nas academias, nas associações, nos congressos, nos seminários, nos encontros de professores, juízes, membros do Ministério Público, advogados, intelectuais de todas as origens e do próprio povo. A lei penal, em face das graves consequências que produz, não pode ser simplesmente o sucesso de interesse de uma maioria; deve ser elaborada de modo a contemplar e proteger também os interesses das minorias.
Além disso, devem as leis definir de forma iniludível as condutas proibidas, de tal sorte que os cidadãos possam tomar plena consciência do que podem ou não podem fazer. Essa é uma exigência constitucional do princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX), não atendida nos respectivos projetos. Não se pode deixar na criatividade dos julgadores a decisão acerca do que se deva entender por proibido ou mandado.
Para criminalizar não basta dizer que uma ação imponha terror ou pânico na população, com resultados de lesão pessoal ou dano patrimonial. Se alguém grita "fogo" em um cinema lotado cometerá a contravenção de falso alarma (LCP, art.41), que causa pânico nos espectadores e pode provocar-lhes, inclusive, lesões ou danos, mas jamais se poderá confundir com o terrorismo, o qual está vinculado de forma indelével a estruturas fundamentalistas orientadas a derrocar o próprio Estado Democrático.
A vingarem esses projetos, seriam criminalizadas condutas comuns da vida, como o trote de calouros, os protestos contra os árbitros de futebol, as gritarias provindas de grupos boêmios e até os atos de comemoração mais acalorada. Afora, claro, condutas que nada têm a ver com finalidades políticas de destruição do Estado, como as brigas de torcidas organizadas. E serão criminalizadas, com esses projetos, as manifestações mais legítimas da população.
O Código Penal já prevê, por seu turno, como delituosas todas as condutas que possam lesar ou pôr em perigo bens jurídicos da pessoa ou mesmo daqueles vinculados à comunidade ou ao Estado, como o homicídio, as lesões, os delitos relativos à periclitação da vida e da saúde, a rixa, os delitos contra a incolumidade pública (incêndio, explosão, etc.), os delitos patrimoniais e contra os agentes do Estado.
Não há a menor necessidade de novos tipos de criminalização, que só podem servir para a derrocada do Estado Democrático de Direito. Não vamos nos iludir novamente pelos efeitos simbólicos da legislação e nem regressar ao passado ditatorial. O direito penal é um instrumento de repressão e só pode ser usado em situação de extrema e estrita necessidade, quando não haja outro recurso para a proteção da pessoa.
Espero que você, com sua inteligência e capacidade de argumentação, possa conter essa onda repressiva.
Forte abraço,
Juarez Tavares"
"CARTA DO PROF. DR. JUAREZ TAVARES PARA O SEN. ROBERTO REQUIÃO
Caro Roberto,
Como você se deve lembrar, fomos colegas de turma na UFPR. Você se orientou para a política e eu, para a academia. Fiz cursos no exterior e cheguei ao topo da carreira docente, como professor titular de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor convidado-visitante nas universidades de Frankfurt, Buenos Aires e Sevilha. Igualmente, até completar 70 anos, exerci o cargo de Subprocurador-Geral da República.
Agora, diante dos projetos de criminalizar atos de terrorismo e, ainda mais, as chamadas "desordens", venho pedir ao caro colega e amigo que se posicione, de forma incisiva, contra a aprovação desses projetos.
Quando da edição do Estatuto de Roma, em 1998, que deu corpo jurídico ao Tribunal Penal Internacional, os signatários, orientados por assessores jurídicos de alta qualificação, rejeitaram a proposta de criminalizar o terrorismo por não encontrarem elementos seguros que pudessem ser usados na sua definição.
Mesmo em países que sofreram atos verdadeiros de terrorismo, como a Alemanha, sua definição sempre foi contestada pela doutrina e, hoje, se resume, praticamente, a uma especialização do crime de quadrilha. E,mesmo assim, são avassaladoras as críticas que se lhe fazem.
Deve-se ver, e você bem sabe disso, desde os tempos em que militávamos juntos na política estudantil, que não se pode confundir "terrorismo" com meras infrações de ordem pública. Para essas infrações, os países previram leis especiais: a Ordnungswidrigkeitsgesetz, na Alemanha, e a Lei de Contra Ordenações, em Portugal, as quais, todavia, não contemplam delitos ou crimes, mas, sim, uma forma branda de contravenção, punida com uma multa sem caráter criminal.
A criminalização de uma conduta de alta magnitude tem que ser resultado de uma ampla discussão, não apenas no âmbito parlamentar, mas na esfera pública em geral, nas ruas, nas academias, nas associações, nos congressos, nos seminários, nos encontros de professores, juízes, membros do Ministério Público, advogados, intelectuais de todas as origens e do próprio povo. A lei penal, em face das graves consequências que produz, não pode ser simplesmente o sucesso de interesse de uma maioria; deve ser elaborada de modo a contemplar e proteger também os interesses das minorias.
Além disso, devem as leis definir de forma iniludível as condutas proibidas, de tal sorte que os cidadãos possam tomar plena consciência do que podem ou não podem fazer. Essa é uma exigência constitucional do princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX), não atendida nos respectivos projetos. Não se pode deixar na criatividade dos julgadores a decisão acerca do que se deva entender por proibido ou mandado.
Para criminalizar não basta dizer que uma ação imponha terror ou pânico na população, com resultados de lesão pessoal ou dano patrimonial. Se alguém grita "fogo" em um cinema lotado cometerá a contravenção de falso alarma (LCP, art.41), que causa pânico nos espectadores e pode provocar-lhes, inclusive, lesões ou danos, mas jamais se poderá confundir com o terrorismo, o qual está vinculado de forma indelével a estruturas fundamentalistas orientadas a derrocar o próprio Estado Democrático.
A vingarem esses projetos, seriam criminalizadas condutas comuns da vida, como o trote de calouros, os protestos contra os árbitros de futebol, as gritarias provindas de grupos boêmios e até os atos de comemoração mais acalorada. Afora, claro, condutas que nada têm a ver com finalidades políticas de destruição do Estado, como as brigas de torcidas organizadas. E serão criminalizadas, com esses projetos, as manifestações mais legítimas da população.
O Código Penal já prevê, por seu turno, como delituosas todas as condutas que possam lesar ou pôr em perigo bens jurídicos da pessoa ou mesmo daqueles vinculados à comunidade ou ao Estado, como o homicídio, as lesões, os delitos relativos à periclitação da vida e da saúde, a rixa, os delitos contra a incolumidade pública (incêndio, explosão, etc.), os delitos patrimoniais e contra os agentes do Estado.
Não há a menor necessidade de novos tipos de criminalização, que só podem servir para a derrocada do Estado Democrático de Direito. Não vamos nos iludir novamente pelos efeitos simbólicos da legislação e nem regressar ao passado ditatorial. O direito penal é um instrumento de repressão e só pode ser usado em situação de extrema e estrita necessidade, quando não haja outro recurso para a proteção da pessoa.
Espero que você, com sua inteligência e capacidade de argumentação, possa conter essa onda repressiva.
Forte abraço,
Juarez Tavares"
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Edição 104 - set/13 Reinventando Paulo Freire
Edição 104 - set/13
Ler a vida, ler o mundo, reescrever a esperança
Um dos livros mais lidos e reeditados de Paulo Freire, sem falar, é claro, de Pedagogia do oprimido (1987), é o intitulado A importância do ato de ler: em três artigos que se completam (FREIRE,
Cortez, 1992) que, em 1999 já se encontrava em sua 37ª edição. Os
artigos que compõem este livro são originários de textos escritos e
apresentados por Freire em diferentes palestras em 1981 a 1982.
Portanto, há mais de 30 anos. Mesmo assim, estamos falando de reflexões
atualíssimas, 32 e 33 anos após as suas publicações, sobretudo, no
sentido de reafirmarem a natureza política e transformadora da educação e
da leitura.
Em apresentação do próprio Paulo Freire, para a edição de 1999, ele escreve que
Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe
ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona,
é urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista
enfaticamente sob o ângulo da luta política e que a compreensão
científica do problema traz sua contribuição (FREIRE, 1999, pg. 9).
Freire está se referindo à luta política que se fazia e ainda hoje se
faz necessária, visando “à superação dos obstáculos impostos às classes
populares para que leiam e escrevam”. (idem). E estes obstáculos, que
antes se limitavam à alfabetização da leitura e da escrita, hoje
ampliam-se para outros campos: analfabetismo cultural, analfabetismo
digital, analfabetismo tecnológico e assim por diante. Nesse sentido, é
inequívoca a relevância de retomarmos esta discussão em tempos de
marchas e de participação social e popular em pleno século 21 (em tempos
de CONAE 2014!), de protestos organizados, desorganizados, que se dizem
“apolíticos” e “apartidários”, mas também de movimentos políticos,
organizados, partidarizados, de marchas dos indignados do/pelo mundo e
dos “black bloc”[1]
que, ao seu modo, escrevem novas e importantes páginas na nossa
história. E vejam que interessante: acabei de reler e aqui registro um
outro texto de Paulo Freire, escrito “recentemente”, prefaciando a
edição brasileira do livro Alunos Felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários, de Georges Snyders (SNYDERS, 2005):
(...) Para quem duvida que a alegria de viver está sendo intensamente
assumida pela juventude hoje, que se dê conta da geração de
adolescentes e jovens que, recentemente, enchendo as praças e as ruas,
cantando, de cara pintada, vestidos multicolormente, inauguravam uma
nova forma de fazer política. Se batiam pelo impedimento do presidente,
finalmente conseguido. Não vieram às ruas sisudos, de paletó e gravata,
de colarinho duro. Vieram em algazarra criadora. Vieram cantando. Vieram
alegres e firmes. Falaram. Criticaram. Choraram. Exigiram vergonha
(...)”. (FREIRE, janeiro de 1993. In: SNYDERS, 2005. p. 10).[2]
Refletindo sobre a importância de realizarmos diferentes leituras,
visando ao nosso melhor fazer docente, sobretudo em tempos em que ainda
escutamos que educadoras e educadores não se interessam por esta prática
– afirmação certamente “desajustada” e descontextualizada, que não
considera nem a falta de qualidade de muitas publicações hoje existentes
(sobretudo no campo da autoajuda) e, muito menos, o preço exorbitante
dos livros, nem mesmo os salários aviltantes que continuamos recebendo,
tendo um dos menores pisos salariais do país, em comparação com outras
profissões, com o mesmo nível de formação: R$ 1.567,00. Um número fácil
de decorar, de entristecer e capaz de desencorajar as novas e futuras
gerações a se interessarem pelo magistério.
Em 2013 comemoramos 50 anos da marcante e simbólica experiência de
Paulo Freire em Angicos, alfabetizando 300 pessoas em 40 dias, abrindo a
oportunidade de o Brasil enfrentar, desde aquela época, os já 14
milhões de brasileiras e brasileiros analfabetos, números que, hoje,
pasmem, (50 anos depois!) são praticamente os mesmos – isso, sem
falarmos no número do analfabetismo funcional da leitura e da escrita,
muito maior que isso, e que ainda assola o nosso país.
Como forma de contribuir para superar estes dados alarmantes da
educação nacional é que se faz necessário a valorização da leitura em
todos os seus significados e amplitudes. Registro aqui, para provocar
nossa reflexão sobre o tema, três de suas variáveis: ler a vida, ler o
mundo, reescrever a esperança.
Ler é sempre um ato de conhecimento, de aprendizagem, de ensinamento,
de crescimento pessoal e coletivo: a leitura nos inspira, alegra a
nossa alma, resgata as nossas lembranças, provoca a nossa ira, causa-nos
emoções, muda a nossa vida, acalma, aproxima-nos de outras pessoas e de
outras culturas, fortalecendo-nos para a luta e para as transformações
sociais que buscamos por meio da própria educação. Mas não basta apenas
“ler”. Trata-se de ler, de tomar consciência da realidade lida e, com
base nesse movimento, buscar transformar a realidade e a nós mesmos/as.
Como permanecemos em luta política contra a injustiça, seguimos
também brigando por participação popular e social (Gadotti, 2013), bem
como pelo direito ao acesso à leitura e à educação como direito
fundamental. E arrisco-me a dizer que na atual conjuntura nacional e
internacional, quem não souber ler e interpretar o que está se passando
na atualidade, como processo e resultado de lutas políticas históricas,
não será capaz de pronunciar a sua palavra grávida das mudanças
necessárias para uma vida mais feliz para todas as pessoas. Nesse
sentido, registro e reafirmo a necessidade de lermos a vida, o mundo e a
esperança, reescrevendo-os sempre.
Ler a vida – trata-se de enxergar a vida que vivemos
hoje, comparadas às condições que tínhamos anos atrás e de realizarmos
agora os sonhos sonhados no passado, mas com coerência ética, estética,
ideológica e política. E sempre praticarmos a “pedagogia da pergunta”:
temos sido coerentes com os princípios e valores que defendemos outrora?
Ou, ao contrário, desviamo-nos a tal ponto do nosso caminho que
chegamos a negar, hoje, tudo o que defendemos ontem? Qual o sentido e o
significado de estarmos hoje onde estamos? Como aproveitar as lições
aprendidas no passado e como não perdermos a oportunidade de deixarmos
as nossas “pegadas” na história, visando a um mundo mais justo e a uma
vida mais plena e mais feliz para todas as pessoas, para todos os seres
vivos e para todos os ecossistemas?
Como escreveu Paulo Freire, “não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não apenas para me adaptar, mas para mudar”. (1997, pg. 85-85). Acrescente-se a isso a perspectiva da educação intertranscultural
(Padilha 2007), que tem como ponto de partida as relações entre as
pessoas e, destas, com todos os ecossistemas. Os conhecimentos da
ciência, da arte e da política, por exemplo, compõem este cenário de
aprendizagens complexas, transformadoras, com sentido e significado.
Ler o mundo – Ler e enxergar o mundo é mais do que
olhar para ele na sua superfície: é estarmos permanente e
estrategicamente atentos e atentas ao que se passa ao nosso lado e ao
que está distante de nós, em profundidade. É superar nosso eventual
daltonismo em relação às pessoas com quem convivemos e em relação à
realidade que nos cerca e em todos os espaços sociais nos quais vivemos
ou por onde passamos. Ler o mundo enquanto processo que envolve
aprendizes e ensinantes de suas histórias recíprocas, ambos, vivendo e
dividindo processos criadores.
Como também nos ensina Freire,
“desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo
e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura
e da escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à
experiência comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas apenas
ligados à experiência do educador”. (1997, pg. 29).
Trata-se de aprofundar o que já sabemos, conhecer, desvelar e
interpretar diferentes dimensões da realidade – social, econômica,
política, ética, estética, ambiental, sexual, cultural, etc. – e
também do real – significando tudo o que existe dentro e fora da mente
humana, o que inclui o que é concreto, o que é abstrato, o que é
simbólico, o que é mitológico – descobrindo o que não sabemos e estando
sensíveis e humildes para aprender, com o outro, que nós mesmos podemos
mudar o rumo da nossa história pessoal quanto mais estivermos abertos às
mudanças.
Vivemos no século 21, às vezes ainda impregnados de princípios e
valores do século 19. Aí nos perguntamos: como podemos defender
transformações se nos declaramos pessoas dialógicas e mudancistas,
democráticas e sensíveis, mas se não formos capazes de mudar ou de
estarmos abertos a novas concepções de vida, de educação, a novas visões
de mundo e de natureza humana? Como influenciarmos mudanças se nos
mantivermos nas nossas certezas, nos nossos preconceitos, na nossa
pseudossabedoria e nas nossas inquestionáveis certezas? Quem já não
ouviu alguém dizer “eu sou assim e não mudo”! Podemos observar: quanto
mais certeza temos sobre algo, maior poderá ser o tamanho do nosso erro
e, também, maior possivelmente será a nossa ignorância. Paulo Freire
dizia, quando nos falava de seu pensamento complexo – sem se referir
exatamente à complexidade, que não é impossível estarmos certos de
alguma coisa. Impossível é estarmos absolutamente certos. (1997).
Reescrever a esperança - A esperança existe mas,
diante de certos contextos e desafios, temos a impressão de que, ela
própria, está em nós enfraquecida. Mas com determinação e com capacidade
de ler a realidade, o real e de sonhar com um mundo melhor, é que novas
esperanças se inscrevem em nossas vidas e no mundo em que vivemos.
Renovados em nossas esperanças, com a força dos encontros e dos projetos
dialógicos, democráticos e coletivos, percebemos que, aos poucos,
retomamos a força para que outras educações e outros mundos também sejam
reescritos. Segundo Paulo Freire,
“Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no
mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra
presença como um 'não eu' se reconhece como 'si própria'. Presença que
pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma,
que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara,
avalia, valora, decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da
avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a
necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna
inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma
virtude”. (Freire, 1997, p. 20).
Ler a vida, ler o mundo e reescrever a esperança, significa tornar
estas leituras presentes em todas as fases de nossas vidas, dentro e
fora da escola em que vivemos, na qual estamos e atuamos como
aprendentes e ensinantes. “A mudança do mundo implica a dialetização
entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação,
no fundo, o nosso sonho”. (Idem, p. 88). Ler, interpretar e transformar
o mundo são práticas de quem deseja construir, efetivamente, outros
mundos e outras educações, possíveis, necessárias e urgentes. Com
“paciência impaciente” e com “esperança sem espera”.
Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, Cortes, 37 ed., 1999.
FREIRE, Paulo. Prefácio À Edição Brasileira. In: SNYDERS, Georges. Alunos felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2005. p. 9-10.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1997.
GADOTTI, Moacir. Gestão democrática com participação popular: planejamento e organização da educação nacional. São Paulo, Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2013. Cadernos de Formação v.6.
PADILHA, Paulo Roberto. Educar em todos os cantos: por uma educação intertranscultural. São Paulo, Cortez, 2007; Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2012.
Paulo Roberto Padilha é Pedagogo, mestre e doutor em educação
pela Faculdade de Educação da USP. Diretor do Instituto Paulo Freire.
Músico e bacharel em Ciências Contábeis. É autor de vários livros, entre
eles Educar em todos os cantos, Educação Integral, Educação cidadã, Município que Educa, Currículo Intertranscultural, Planejamento Dialógico.
E-mail:
padilha@paulofreire.org
www.paulofreire.org
[1]
“Black Bloc foi o termo sugerido de forma confusa na imprensa nacional.
Seriam jovens anarquistas anticapitalistas e antiglobalização, cujo lema
passa por destruir a propriedade de grandes corporações e enfrentar a
polícia. Nas capas de jornais e na boca dos âncoras televisivos, eram 'a
minoria baderneira' em meio a 'protestos que começaram pacíficos e
ordeiros'. Uma abordagem simplista diante de um fenômeno complexo”.
(reportagem da capa da Revista Carta Capital, por Piero Locatelli e
Willian Vieira, intitulada “O black bloc está na rua”. Edição 7 de
agosto de 2013 Ano XVIII No 760. pg. 22 a 26).
[2] Vejam só.... este texto foi escrito há exatamente 30 anos e 7 meses. Alguma semelhança com os nossos dias não será pura coincidência. Infelizmente.
Por Paulo Roberto Padilha
Ler a vida, ler o mundo, reescrever a esperança
Um dos livros mais lidos e reeditados de Paulo Freire, sem falar, é claro, de Pedagogia do oprimido (1987), é o intitulado A importância do ato de ler: em três artigos que se completam (FREIRE,
Cortez, 1992) que, em 1999 já se encontrava em sua 37ª edição. Os
artigos que compõem este livro são originários de textos escritos e
apresentados por Freire em diferentes palestras em 1981 a 1982.
Portanto, há mais de 30 anos. Mesmo assim, estamos falando de reflexões
atualíssimas, 32 e 33 anos após as suas publicações, sobretudo, no
sentido de reafirmarem a natureza política e transformadora da educação e
da leitura.
Em apresentação do próprio Paulo Freire, para a edição de 1999, ele escreve que
Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe
ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona,
é urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista
enfaticamente sob o ângulo da luta política e que a compreensão
científica do problema traz sua contribuição (FREIRE, 1999, pg. 9).
Freire está se referindo à luta política que se fazia e ainda hoje se
faz necessária, visando “à superação dos obstáculos impostos às classes
populares para que leiam e escrevam”. (idem). E estes obstáculos, que
antes se limitavam à alfabetização da leitura e da escrita, hoje
ampliam-se para outros campos: analfabetismo cultural, analfabetismo
digital, analfabetismo tecnológico e assim por diante. Nesse sentido, é
inequívoca a relevância de retomarmos esta discussão em tempos de
marchas e de participação social e popular em pleno século 21 (em tempos
de CONAE 2014!), de protestos organizados, desorganizados, que se dizem
“apolíticos” e “apartidários”, mas também de movimentos políticos,
organizados, partidarizados, de marchas dos indignados do/pelo mundo e
dos “black bloc”[1]
que, ao seu modo, escrevem novas e importantes páginas na nossa
história. E vejam que interessante: acabei de reler e aqui registro um
outro texto de Paulo Freire, escrito “recentemente”, prefaciando a
edição brasileira do livro Alunos Felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários, de Georges Snyders (SNYDERS, 2005):
(...) Para quem duvida que a alegria de viver está sendo intensamente
assumida pela juventude hoje, que se dê conta da geração de
adolescentes e jovens que, recentemente, enchendo as praças e as ruas,
cantando, de cara pintada, vestidos multicolormente, inauguravam uma
nova forma de fazer política. Se batiam pelo impedimento do presidente,
finalmente conseguido. Não vieram às ruas sisudos, de paletó e gravata,
de colarinho duro. Vieram em algazarra criadora. Vieram cantando. Vieram
alegres e firmes. Falaram. Criticaram. Choraram. Exigiram vergonha
(...)”. (FREIRE, janeiro de 1993. In: SNYDERS, 2005. p. 10).[2]
Refletindo sobre a importância de realizarmos diferentes leituras,
visando ao nosso melhor fazer docente, sobretudo em tempos em que ainda
escutamos que educadoras e educadores não se interessam por esta prática
– afirmação certamente “desajustada” e descontextualizada, que não
considera nem a falta de qualidade de muitas publicações hoje existentes
(sobretudo no campo da autoajuda) e, muito menos, o preço exorbitante
dos livros, nem mesmo os salários aviltantes que continuamos recebendo,
tendo um dos menores pisos salariais do país, em comparação com outras
profissões, com o mesmo nível de formação: R$ 1.567,00. Um número fácil
de decorar, de entristecer e capaz de desencorajar as novas e futuras
gerações a se interessarem pelo magistério.
Em 2013 comemoramos 50 anos da marcante e simbólica experiência de
Paulo Freire em Angicos, alfabetizando 300 pessoas em 40 dias, abrindo a
oportunidade de o Brasil enfrentar, desde aquela época, os já 14
milhões de brasileiras e brasileiros analfabetos, números que, hoje,
pasmem, (50 anos depois!) são praticamente os mesmos – isso, sem
falarmos no número do analfabetismo funcional da leitura e da escrita,
muito maior que isso, e que ainda assola o nosso país.
Como forma de contribuir para superar estes dados alarmantes da
educação nacional é que se faz necessário a valorização da leitura em
todos os seus significados e amplitudes. Registro aqui, para provocar
nossa reflexão sobre o tema, três de suas variáveis: ler a vida, ler o
mundo, reescrever a esperança.
Ler é sempre um ato de conhecimento, de aprendizagem, de ensinamento,
de crescimento pessoal e coletivo: a leitura nos inspira, alegra a
nossa alma, resgata as nossas lembranças, provoca a nossa ira, causa-nos
emoções, muda a nossa vida, acalma, aproxima-nos de outras pessoas e de
outras culturas, fortalecendo-nos para a luta e para as transformações
sociais que buscamos por meio da própria educação. Mas não basta apenas
“ler”. Trata-se de ler, de tomar consciência da realidade lida e, com
base nesse movimento, buscar transformar a realidade e a nós mesmos/as.
Como permanecemos em luta política contra a injustiça, seguimos
também brigando por participação popular e social (Gadotti, 2013), bem
como pelo direito ao acesso à leitura e à educação como direito
fundamental. E arrisco-me a dizer que na atual conjuntura nacional e
internacional, quem não souber ler e interpretar o que está se passando
na atualidade, como processo e resultado de lutas políticas históricas,
não será capaz de pronunciar a sua palavra grávida das mudanças
necessárias para uma vida mais feliz para todas as pessoas. Nesse
sentido, registro e reafirmo a necessidade de lermos a vida, o mundo e a
esperança, reescrevendo-os sempre.
Ler a vida – trata-se de enxergar a vida que vivemos
hoje, comparadas às condições que tínhamos anos atrás e de realizarmos
agora os sonhos sonhados no passado, mas com coerência ética, estética,
ideológica e política. E sempre praticarmos a “pedagogia da pergunta”:
temos sido coerentes com os princípios e valores que defendemos outrora?
Ou, ao contrário, desviamo-nos a tal ponto do nosso caminho que
chegamos a negar, hoje, tudo o que defendemos ontem? Qual o sentido e o
significado de estarmos hoje onde estamos? Como aproveitar as lições
aprendidas no passado e como não perdermos a oportunidade de deixarmos
as nossas “pegadas” na história, visando a um mundo mais justo e a uma
vida mais plena e mais feliz para todas as pessoas, para todos os seres
vivos e para todos os ecossistemas?
Como escreveu Paulo Freire, “não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não apenas para me adaptar, mas para mudar”. (1997, pg. 85-85). Acrescente-se a isso a perspectiva da educação intertranscultural
(Padilha 2007), que tem como ponto de partida as relações entre as
pessoas e, destas, com todos os ecossistemas. Os conhecimentos da
ciência, da arte e da política, por exemplo, compõem este cenário de
aprendizagens complexas, transformadoras, com sentido e significado.
Ler o mundo – Ler e enxergar o mundo é mais do que
olhar para ele na sua superfície: é estarmos permanente e
estrategicamente atentos e atentas ao que se passa ao nosso lado e ao
que está distante de nós, em profundidade. É superar nosso eventual
daltonismo em relação às pessoas com quem convivemos e em relação à
realidade que nos cerca e em todos os espaços sociais nos quais vivemos
ou por onde passamos. Ler o mundo enquanto processo que envolve
aprendizes e ensinantes de suas histórias recíprocas, ambos, vivendo e
dividindo processos criadores.
Como também nos ensina Freire,
“desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo
e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas. O comando da leitura
e da escrita se dá a partir de palavras e de temas significativos à
experiência comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas apenas
ligados à experiência do educador”. (1997, pg. 29).
Trata-se de aprofundar o que já sabemos, conhecer, desvelar e
interpretar diferentes dimensões da realidade – social, econômica,
política, ética, estética, ambiental, sexual, cultural, etc. – e
também do real – significando tudo o que existe dentro e fora da mente
humana, o que inclui o que é concreto, o que é abstrato, o que é
simbólico, o que é mitológico – descobrindo o que não sabemos e estando
sensíveis e humildes para aprender, com o outro, que nós mesmos podemos
mudar o rumo da nossa história pessoal quanto mais estivermos abertos às
mudanças.
Vivemos no século 21, às vezes ainda impregnados de princípios e
valores do século 19. Aí nos perguntamos: como podemos defender
transformações se nos declaramos pessoas dialógicas e mudancistas,
democráticas e sensíveis, mas se não formos capazes de mudar ou de
estarmos abertos a novas concepções de vida, de educação, a novas visões
de mundo e de natureza humana? Como influenciarmos mudanças se nos
mantivermos nas nossas certezas, nos nossos preconceitos, na nossa
pseudossabedoria e nas nossas inquestionáveis certezas? Quem já não
ouviu alguém dizer “eu sou assim e não mudo”! Podemos observar: quanto
mais certeza temos sobre algo, maior poderá ser o tamanho do nosso erro
e, também, maior possivelmente será a nossa ignorância. Paulo Freire
dizia, quando nos falava de seu pensamento complexo – sem se referir
exatamente à complexidade, que não é impossível estarmos certos de
alguma coisa. Impossível é estarmos absolutamente certos. (1997).
Reescrever a esperança - A esperança existe mas,
diante de certos contextos e desafios, temos a impressão de que, ela
própria, está em nós enfraquecida. Mas com determinação e com capacidade
de ler a realidade, o real e de sonhar com um mundo melhor, é que novas
esperanças se inscrevem em nossas vidas e no mundo em que vivemos.
Renovados em nossas esperanças, com a força dos encontros e dos projetos
dialógicos, democráticos e coletivos, percebemos que, aos poucos,
retomamos a força para que outras educações e outros mundos também sejam
reescritos. Segundo Paulo Freire,
“Mais do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Presença no
mundo, com o mundo e com os outros. Presença que, reconhecendo a outra
presença como um 'não eu' se reconhece como 'si própria'. Presença que
pensa a si mesma, que se sabe presença, que intervém, que transforma,
que fala do que faz mas também do que sonha, que constata, compara,
avalia, valora, decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da
avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a
necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A ética se torna
inevitável e sua transgressão possível é um desvalor, jamais uma
virtude”. (Freire, 1997, p. 20).
Ler a vida, ler o mundo e reescrever a esperança, significa tornar
estas leituras presentes em todas as fases de nossas vidas, dentro e
fora da escola em que vivemos, na qual estamos e atuamos como
aprendentes e ensinantes. “A mudança do mundo implica a dialetização
entre a denúncia da situação desumanizante e o anúncio de sua superação,
no fundo, o nosso sonho”. (Idem, p. 88). Ler, interpretar e transformar
o mundo são práticas de quem deseja construir, efetivamente, outros
mundos e outras educações, possíveis, necessárias e urgentes. Com
“paciência impaciente” e com “esperança sem espera”.
Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo, Cortes, 37 ed., 1999.
FREIRE, Paulo. Prefácio À Edição Brasileira. In: SNYDERS, Georges. Alunos felizes: reflexão sobre a alegria na escola a partir de textos literários. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2005. p. 9-10.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1997.
GADOTTI, Moacir. Gestão democrática com participação popular: planejamento e organização da educação nacional. São Paulo, Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2013. Cadernos de Formação v.6.
PADILHA, Paulo Roberto. Educar em todos os cantos: por uma educação intertranscultural. São Paulo, Cortez, 2007; Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2012.
Paulo Roberto Padilha é Pedagogo, mestre e doutor em educação
pela Faculdade de Educação da USP. Diretor do Instituto Paulo Freire.
Músico e bacharel em Ciências Contábeis. É autor de vários livros, entre
eles Educar em todos os cantos, Educação Integral, Educação cidadã, Município que Educa, Currículo Intertranscultural, Planejamento Dialógico.
E-mail:
padilha@paulofreire.org
www.paulofreire.org
[1]
“Black Bloc foi o termo sugerido de forma confusa na imprensa nacional.
Seriam jovens anarquistas anticapitalistas e antiglobalização, cujo lema
passa por destruir a propriedade de grandes corporações e enfrentar a
polícia. Nas capas de jornais e na boca dos âncoras televisivos, eram 'a
minoria baderneira' em meio a 'protestos que começaram pacíficos e
ordeiros'. Uma abordagem simplista diante de um fenômeno complexo”.
(reportagem da capa da Revista Carta Capital, por Piero Locatelli e
Willian Vieira, intitulada “O black bloc está na rua”. Edição 7 de
agosto de 2013 Ano XVIII No 760. pg. 22 a 26).
[2] Vejam só.... este texto foi escrito há exatamente 30 anos e 7 meses. Alguma semelhança com os nossos dias não será pura coincidência. Infelizmente.
Por Paulo Roberto Padilha
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
Cartografias colaborativas, mapas afetivos e uma década de Google Maps | Andre Deak
Cartografias colaborativas, mapas afetivos e uma década de Google Maps | Andre Deak
Em 2014 o Google Maps completa 10 anos.
Nessa última década, não apenas o Google, mas muitos outros softwares e
iniciativas tornaram possível, e cada vez mais fácil, criar plataformas
que colocam coordenadas geográficas em pontos, áreas, regiões,
sentimentos. Ao mesmo tempo, os celulares com GPS tornaram-se mais e
mais comuns, e até a internet 3G, mesmo ruim e cara como é no Brasil,
permite o uso destes sistemas de localização com alguma facilidade.
Isso fez com que nos últimos anos houvesse uma incrível explosão no
uso de mapas digitais, praticamente para tudo. Temos mapas de arte nas ruas, mapas de trabalho degradante em frigoríficos, mapas de ciclovias, mapas de restaurantes, cruzamentos de incêndios em favelas com a alta imobiliária das regiões de São Paulo, mapas de incêndios na Amazônia, mapas do amor, mapa da cultura nas quebradas. Eu mesmo acompanho e tenho analisado mapas no www.mapasculturais.org.br.
Mapear coisas tornou-se, assim, uma espécie de fetiche, de moda, de
tendência, mas não apenas. Mapas ajudam a entender o mundo ao redor, e a
entender o nosso lugar nele. Também tornam visíveis pessoas,
sentimentos, histórias, que não estão nos mapas oficiais. Se a história é
contada pelos vencedores, os mapas também são feitos por eles -- e são
eles que decidem o que ou quem está ou não no mapa. Felizmente, agora
todos podemos contar nossas histórias, construir nossos próprios mapas.
As ferramentas estão nas nossas mãos.
Mas a abundância de mapas e mapeamentos tem gerado um problema
interessante: como combinar todos estes mapas? Será que não seria
interessante cruzar, talvez, desmatamento com violência? (digo porque já
fizemos isso em 2007: a faixa de maior desmatamento na Amazônia é
justamente onde estavam os municípios mais violentos do país). Que
relações poderíamos tirar do cruzamento espacial de informações
diversas?
Daí a importância em pensar ferramentas de mapeamento com códigos e
APIs abertas, para que as bases de dados possam ser lidas por outros
softwares. Se pudermos, ainda por cima, pensar em taxonomias (categorias
ou tags) que sejam as mesmas para diversos projetos, melhor ainda.
Porque se um projeto coloca "cinemas", e o outro coloca "salas de
cinema", as bases de dados já não irão conversar muito bem.
Estamos subindo mais informação a cada dia, numa velocidade
exponencial, para a rede. O desafio deste início do século 21 é
conseguir organizar tudo isso e ter um olhar integrado.
Em 2014 o Google Maps completa 10 anos.
Nessa última década, não apenas o Google, mas muitos outros softwares e
iniciativas tornaram possível, e cada vez mais fácil, criar plataformas
que colocam coordenadas geográficas em pontos, áreas, regiões,
sentimentos. Ao mesmo tempo, os celulares com GPS tornaram-se mais e
mais comuns, e até a internet 3G, mesmo ruim e cara como é no Brasil,
permite o uso destes sistemas de localização com alguma facilidade.
Isso fez com que nos últimos anos houvesse uma incrível explosão no
uso de mapas digitais, praticamente para tudo. Temos mapas de arte nas ruas, mapas de trabalho degradante em frigoríficos, mapas de ciclovias, mapas de restaurantes, cruzamentos de incêndios em favelas com a alta imobiliária das regiões de São Paulo, mapas de incêndios na Amazônia, mapas do amor, mapa da cultura nas quebradas. Eu mesmo acompanho e tenho analisado mapas no www.mapasculturais.org.br.
Mapear coisas tornou-se, assim, uma espécie de fetiche, de moda, de
tendência, mas não apenas. Mapas ajudam a entender o mundo ao redor, e a
entender o nosso lugar nele. Também tornam visíveis pessoas,
sentimentos, histórias, que não estão nos mapas oficiais. Se a história é
contada pelos vencedores, os mapas também são feitos por eles -- e são
eles que decidem o que ou quem está ou não no mapa. Felizmente, agora
todos podemos contar nossas histórias, construir nossos próprios mapas.
As ferramentas estão nas nossas mãos.
Mas a abundância de mapas e mapeamentos tem gerado um problema
interessante: como combinar todos estes mapas? Será que não seria
interessante cruzar, talvez, desmatamento com violência? (digo porque já
fizemos isso em 2007: a faixa de maior desmatamento na Amazônia é
justamente onde estavam os municípios mais violentos do país). Que
relações poderíamos tirar do cruzamento espacial de informações
diversas?
Daí a importância em pensar ferramentas de mapeamento com códigos e
APIs abertas, para que as bases de dados possam ser lidas por outros
softwares. Se pudermos, ainda por cima, pensar em taxonomias (categorias
ou tags) que sejam as mesmas para diversos projetos, melhor ainda.
Porque se um projeto coloca "cinemas", e o outro coloca "salas de
cinema", as bases de dados já não irão conversar muito bem.
Estamos subindo mais informação a cada dia, numa velocidade
exponencial, para a rede. O desafio deste início do século 21 é
conseguir organizar tudo isso e ter um olhar integrado.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
"O devir-multidão dos excluídos e de todos os que são incluídos somente na extensão necessária para serem explorados". Entrevista especial com Adriano Pilatti
"O devir-multidão dos excluídos e de todos os que são incluídos somente na extensão necessária para serem explorados". Entrevista especial com Adriano Pilatti
“A força desses movimentos não é de caráter militar, é política, e a juventude que os anima precisa entender isso pra valer. Parece que a maioria já entendeu”, avalia o cientista político sobre as manifestações que surpreenderam o Brasil no 2º semestre de 2013.
do site Instituto Humanitas Unisinos – IHU
“A força desses movimentos não é de caráter militar, é política, e a juventude que os anima precisa entender isso pra valer. Parece que a maioria já entendeu”, avalia o cientista político sobre as manifestações que surpreenderam o Brasil no 2º semestre de 2013.
do site Instituto Humanitas Unisinos – IHU
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
"A Navalha de Dalí": Dê um rolê: por dentro e contra
"A Navalha de Dalí": Dê um rolê: por dentro e contra
de Murilo Duarate Costa Correa
Arrastão. – Quando Tom Zé publicou sua exegese de Tô ficando atoladinha, a canção-anátema de Tati Quebra-Barraco, as reações dos estetas formais da Moderna Música Popular Brasileira foram agressivas e imediatas. Os adversários de Tom Zé acusavam seu mais recente álbum, Estudando a bossa nova, de conter “injustificáveis influências do funk carioca”. Quando Tom Zé justificou não ver ali nenhuma contradição, pois o funk carioca teria sido “uma das ondas concêntricas desencadeadas pela bossa nova”, as reações foram ainda mais hostis. Era 2008, e o funk abandonava seu círculo tradicional para cair de uma vez por todas no gosto popular.
de Murilo Duarate Costa Correa
Arrastão. – Quando Tom Zé publicou sua exegese de Tô ficando atoladinha, a canção-anátema de Tati Quebra-Barraco, as reações dos estetas formais da Moderna Música Popular Brasileira foram agressivas e imediatas. Os adversários de Tom Zé acusavam seu mais recente álbum, Estudando a bossa nova, de conter “injustificáveis influências do funk carioca”. Quando Tom Zé justificou não ver ali nenhuma contradição, pois o funk carioca teria sido “uma das ondas concêntricas desencadeadas pela bossa nova”, as reações foram ainda mais hostis. Era 2008, e o funk abandonava seu círculo tradicional para cair de uma vez por todas no gosto popular.
Enquanto a internet e a democratização da cultura do compartilhamento subiam o morro promovendo novas formas de invenção e acesso à cultura, o “som de preto, de favelado” que “quando toca, ninguém fica parado”, descia e invadia o Rio com a força de um fluxo novo, vencendo as resistências que os sambas de Janet de Almeida – a autora de Eu sambo mesmo e Pra quê discutir com madame? – haviam imortalizado. Mais tarde, na voz de João Gilberto, os sambas de Janet de Almeida, que ridicularizavam a eugenia musical da elite brasileira com ironias tão finas quanto contestatórias, encontrava eu híbrido em ritmo de bossa. Como o DJ Malboro, com seu som de preto e de favelado, não seria uma das vagas desencadeadas pelo samba e pela sua progressiva assimilação social? Tom Zé talvez ignorasse, mas sua exegese de Tô ficando atoladinha foi mais que a protagonista de um mero choque de gosto; foi a exposição radical do preconceito de classe que continua a atravessar a Moderna Música Popular Brasileira e que se dissimula sob o verniz do cultivado.
Quando Tom Zé – o inventor da estética do arrastão em Defeito de Fabricação (1998) – afirmava a congenialidade entre o “metarrefrão microtonal e plurisemiótico” de To ficando atoladinha e a bossa nova, foi como um golpe triplo: (1) denunciar a função política exercida pelo canto gregoriano na naturalização das escalas – que, de microtonais, passavam a ser diatônicas; (2) restaurar a dignidade da escala microtonal, demonizada pela forma estética imposta pela Igreja Católica; (3) atestar, na microtonalidade, a origem comum da bossa nova e do funk carioca. Esse gesto, antiplatônico, desterrava as hierarquias consolidadas; proclamava a verdade demoníaca que o funk só poderia ter herdado, na espiral do tempo, precisamente do que havia de mais refinado e cool na recente história da música popular brasileira: a microtonalidade dissonante da bossa, produto de furto e objeto da reinvenção da estética do arrastão dos pretos e favelados.
Por dentro. – O rolezinho está para o shopping center assim como o funk ostentação está para a bossa nova. Dois agenciamentos cujo horizonte de aparição assume a forma efêmera do choque de gosto, mas oculta, sob sua superfície, uma renovada emergência da luta de classes, e ali onde menos se espera: nos modos de consumo da cultura. Tudo se passa sob o signo da contradição e do imaginário dialético: é a ralé do rolê contra os mauricinhos de rolex; as tchutchucas de shortinho e chapinha no cabelo contra a Garota de Ipanema. Porém, em 2013, a filha da Garota de Ipanema dançou o quadradinho de 8. Assim como o funk é o filho bastardo da microtonalidade da bossa nova, o rolezinho é o filho monstruoso do shopping center. Congenialidade analógica: talvez não seja por simples acaso que quando pobre resolve dar um rolê, na praia ou no shopping, seu passeio, no léxico do poder, vire logo arrastão – não há outra forma estética possível senão confrontar o legítimo com o bastardo e o doente de normalidade com a força do monstruoso.
Todavia, sob toda equivalência em diagonal (funk/bossa; rolê/shopping), há uma inequação insuspeita. Ela se confunde precisamente com a diferença que ultrapassa os termos “legítimo” e “bastardo”, “normal” e “monstruoso” e, no seio de sua congenialidade, atesta sua diferença recíproca. Basta perguntar a qualquer segurança de shopping, ou policial: há uma diferença entre o maloqueiro e o mauricinho, entre a ralé e o rolex, que é fenomenológica, eugênica – pois a questão racial é flagrante –, mas também política.
Há uma moda mauricinho, uma forma exterior de aparição, uma codificação dos hábitos e dos gestos, como há uma estilização maloqueiro: boné, bermudas enormes, camisa polo, correntes, óculos de sol, celular na mão... sob um choque de gosto, um choque de signos, de regimes de signos incompossíveis para o capital. Na superfície das formas de consumo da cultura, o encontro intensivo entre formas de vida diferentes em um espaço que tem se tornado cada vez mais comum no Brasil: o do consumo e o do valor social do consumo: a ostentação.
A ostentação é o “por dentro” do rolezinho, o gesto de pertença a um mundo que não é o seu – o signo da “invasão” por excelência. Porém, mais a fundo, a ostentação encerra a apropriação de uma forma de relação social mediatizada pelos objetos e sua conversão em mote político. Querer o que os mauricinhos podem ter, com outro corpo, outra pele, outra história e outro modo de existência, revela um potencial de liberação de uma forma desejante que nem pode se realizar no mercado, nem parece – como as liminares judiciais e confrontos policiais recentemente comprovaram – poder ser contida por ele. O mauricinho está curtindo por dentro. O maloqueiro “zoa” no shopping porque está curtindo por dentro e contra.
… e contra. – Em uma entrevista no fim de sua vida, Deleuze afirmava que “Direitos Humanos” eram coisa “de intelectuais sem ideias próprias”; que a verdadeira filosofia do direito era a jurisprudência. A afirmação de Deleuze não deveria causar mais espécie do que as práticas estatais de segurança pública e manutenção militar da ordem. Seja como for, procuremos compreender a polêmica – e quase sempre mal-compreendida – afirmação de Deleuze sobre os direitos humanos. O aparente menosprezo de Deleuze pelos direitos humanos não deve ser confundido com sua proscrição ou inutilidade. Está vinculado, antes, à denúncia dos compromissos vergonhosos que se utilizam da forma jurídica para combater precisamente aqueles a quem o direito deveria proteger. Abstrações metafisicas, construídas sobre uma antropologia evanescente como Auschwitz teria comprovado de uma vez por todas, os direitos humanos não podem significar nada senão uma gramática de luta e defesa de direitos, como quisera Douzinas, ou, então, uma retórica de difusão dos valores do Império, como quiseram Negri e Hardt.
Todavia, sobre os direitos humanos, Deleuze não compartilha nem o otimismo vigilante de Douzinas, nem a crítica veraz de Hardt e Negri. O bergsonismo de Deleuze implica que o direito, e uma filosofia do direito, só possam constituir-se em relação com um campo problemático concreto; isto é, em correlação com um universo de singularidades reais contra a qual se debate um povo que se inventa em busca de uma nova terra. Os direitos humanos, abstratos e descarnados, são mesmo, como quisera Deleuze, assunto para “intelectuais sem ideias próprias”. Porém, no terreno singular de lutas em que se constituem e inventam, são produtos de uma filosofia do direito que se confunde com a jurisprudência, constituídos por prolongamentos sutis e embates, procedem por criação.
Sob essa luz, black blocs e os jovens do rolezinho são os maiores filósofos do direito de que o Brasil teve notícia nos últimos anos. Eles inventam direitos, cada um a sua maneira, contra o Estado e contra o mercado, e o fazem concretamente, questionando a repartição entre os ilegalismos lícitos e os ilícitos. Dia 11 de janeiro de 2014, o Shopping JK Iguatemi – um dos mais luxuosos centros comerciais da cidade de São Paulo – obteve uma decisão liminar que impedia a realização de um rolezinho em suas dependências físicas, com apoio não apenas de sua segurança privada, como das polícias Civil e Militar). O conteúdo da decisão liminar, concedida por Alberto Gibin Villela, não é outro, senão o apelo a “direitos fundamentais” vazios e abstratos: “A Constituição Federal estabeleceu direitos fundamentais a todos. Esses direitos importam também em obrigações a cada um, que tem o dever de olhar a sua volta para avaliar se a sua conduta não invade a esfera jurídica alheia. O Estado não pode garantir o direito de manifestações e olvidar-se do direito de propriedade, do livre exercício da profissão e da segurança pública. Todas as garantias tem a mesma importância e relevância social e jurídica. ”
O menosprezo aparente de Deleuze pelos direitos humanos, que não passava de uma recusa a colocar o problema da filosofia do direito à moda tradicional, abstrata, caberia também aqui. Toda a questão da filosofia do direito se esgota na invenção política de direitos, em sua afirmação em tensão com uma singularidade concreta que não pode ser contida nas teorias de direitos fundamentais ou nas colisões de princípios. Com razão, ao mesmo tempo em que Deleuze afirmava que “a jurisprudência é a verdadeira filosofia do direito”, dizia “ela não deveria ser confiada aos juízes”.
Já é tempo de abandonar as concepções ideais sobre o direito e de perceber que as operações jurídicas criam pedaços de real em que podemos viver, circular, consumir, que são interditados e que se transformam em campos de batalha. Toda operação jurídica é – como a liminar do caso JK Iguatemi atesta, apesar de toda a sua obscena atecnica – uma ontologia política que se confunde com a invenção de direitos. O grande direito que está por ser inventado no Brasil contemporâneo, e que é afirmado heterogeneamente nas táticas black blocs e nos rolezinhos, contra o Estado e contra o capital, é o direito ao rolê, à circulação insujeita dos corpos – no espaço público como no privado. Invenção de um Fora do Estado e do mercado que começa a se replicar por todo o país. Invenção política de um outro mundo possível. Se, por ora, não há outro mundo para além ou para fora deste, o rolê é o gesto político contestatório por excelência: por dentro e contra – plano em que a estética quase-oswaldiana do arrastão, de Tom Zé ("Só me interessa o que não é meu"), reencontra a aquela mesma galera que, como na Tropicália, só quer sair, se divertir, dar um rolê. Rolê é amor: da cabeça aos pés. Dê um rolê.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Debate sobre o MASP
Estadão É preciso preservar o Masp
"Triste destino o do vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), instituição que tem um dos mais importantes acervos artísticos da América Latina. Primeiro, tornou-se um símbolo do desrespeito às regras que devem pautar as manifestações públicas. Qualquer grupo que deseja apresentar reivindicações ou protestar se julga no direito de ocupar esse espaço, para nele começar ou terminar manifestações, cujo palco é a Avenida Paulista. Como se isso não bastasse, ele agora virou - no intervalo entre uma manifestação e outra - lugar de reunião de dependentes de droga, com o sério risco de virar uma espécie de minicracolândia"
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-preciso-preservar-o-masp-,1098579,0.htm
O jornal reverberou declarações do curador do museu, Teixeira Coelho, que, diante da recusa do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional em aceitar seu pedido de instalação de grades no vão livre, classificou tal posição como "um atraso".
Outra solução levantada pelo editorial seria "uma ação enérgica" da polícia, "para colocar cada um no seu devido lugar", já que o vão livre se tornou "a casa da sogra", "onde qualquer um faz o que bem entende".
Reportagem da Folha da última sexta-feira estampa barracas de camping ocupando o espaço, servindo de moradia a pessoas sem teto, e reitera a imagem de "abandono" do lugar.
Não é à toa que o Masp se tornou um dos símbolos de São Paulo, além de um dos lugares mais apropriados pelos paulistanos. Poucos são os espaços da cidade que estabelecem uma relação tão bem-sucedida entre o público e o privado, a cultura, a arte e a vida cotidiana dos cidadãos.
Na contramão dos equipamentos culturais desenhados para serem monumentos de celebração a uma arte-mercadoria, glamourizada e identificada com as elites, o Masp nasceu para ser uma espécie de antimuseu, radicalmente aberto para a cidade.
Em filme de 1972, Lina Bo Bardi, autora do projeto, fala sobre o Masp: "[...] minha preocupação básica foi a de fazer uma arquitetura feia, uma arquitetura que não fosse uma arquitetura formal, embora tenha ainda, infelizmente, problemas formais. Uma arquitetura ruim e com espaços livres que pudessem ser criados pela coletividade. Assim nasceu o grande belvedere do museu, com a escadinha pequena. A escadinha não é uma escadaria áulica, mas uma escadinha-tribuna que pode ser transformada em um palanque. Eu quis fazer um projeto ruim. Isto é, feio formalmente e arquitetonicamente, mas que fosse um espaço aproveitável, que fosse uma coisa aproveitada pelos homens".
O vão livre do Masp é, portanto, o próprio museu. E os moradores da cidade, celebrando este belo presente, afirmam todos os dias seu caráter público: heterogêneo e múltiplo, ocupado e povoado por todo e qualquer tipo de gente, de evento e de situação, afirmando ali a dimensão pública da arte, da cultura e da cidade.
Se nos choca e indigna ver o vão do Masp (e outros espaços públicos) ocupado por pessoas viciadas em crack e moradores sem teto, é de políticas públicas decentes de saúde mental, de moradia e de assistência social que necessitamos, com urgência.
Não são as grades nem a repressão policial que vão enfrentar a situação de vulnerabilidade em que se encontram muitos paulistanos. Se eles estão ali, expondo a precariedade e a situação limite de sua existência, é porque, simplesmente, não há nada nem ninguém que os acolha, propondo alternativas reais para essa situação.
A imagem das barracas armadas no Masp só afirma a urgência de implementação de políticas que avancem nesta direção. Uma boa gestão de cidade mantém a qualidade de seus espaços públicos cuidando tanto de seu estado físico de conservação quanto da vulnerabilidade de parte de seus cidadãos.
Se o vão livre do Masp tem sido cada vez mais palco de manifestações, é justamente por acolher de forma tão eloquente uma das reivindicações centrais dos protestos recentes: a necessidade de constituição de uma esfera verdadeiramente pública no Brasil.
"Triste destino o do vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), instituição que tem um dos mais importantes acervos artísticos da América Latina. Primeiro, tornou-se um símbolo do desrespeito às regras que devem pautar as manifestações públicas. Qualquer grupo que deseja apresentar reivindicações ou protestar se julga no direito de ocupar esse espaço, para nele começar ou terminar manifestações, cujo palco é a Avenida Paulista. Como se isso não bastasse, ele agora virou - no intervalo entre uma manifestação e outra - lugar de reunião de dependentes de droga, com o sério risco de virar uma espécie de minicracolândia"
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,e-preciso-preservar-o-masp-,1098579,0.htm
Por que a ideia do ‘Estadão’ de fechar o vão livre do Masp é estapafúrdia/ Mauro Donato
A ideia estapafúrdia surgiu num editorial ranzinza e retrógrado do Estadão que, em nome da moral e dos bons costumes, defendeu a instalação de cercas em torno do museu. Segundo o jornal, a situação atual de manifestações e consumo de drogas no local é incompatível com o museu e cabe às administrações responsáveis (prefeitura e MASP) encarar a “nova realidade da cidade”, “cercar o museu” e “recorrer à força policial para colocar cada um no seu devido lugar”.
O Masp e a casa da sogra Raquel Rolnik
Há duas semanas o "Estadão" defendeu em seu editorial o cercamento do vão livre do Masp como forma de proteger o museu da ameaça de "viciados", "traficantes", "moradores de rua" e "grupos de manifestantes" que tomaram conta do espaço.O jornal reverberou declarações do curador do museu, Teixeira Coelho, que, diante da recusa do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional em aceitar seu pedido de instalação de grades no vão livre, classificou tal posição como "um atraso".
Outra solução levantada pelo editorial seria "uma ação enérgica" da polícia, "para colocar cada um no seu devido lugar", já que o vão livre se tornou "a casa da sogra", "onde qualquer um faz o que bem entende".
Reportagem da Folha da última sexta-feira estampa barracas de camping ocupando o espaço, servindo de moradia a pessoas sem teto, e reitera a imagem de "abandono" do lugar.
Não é à toa que o Masp se tornou um dos símbolos de São Paulo, além de um dos lugares mais apropriados pelos paulistanos. Poucos são os espaços da cidade que estabelecem uma relação tão bem-sucedida entre o público e o privado, a cultura, a arte e a vida cotidiana dos cidadãos.
Na contramão dos equipamentos culturais desenhados para serem monumentos de celebração a uma arte-mercadoria, glamourizada e identificada com as elites, o Masp nasceu para ser uma espécie de antimuseu, radicalmente aberto para a cidade.
Em filme de 1972, Lina Bo Bardi, autora do projeto, fala sobre o Masp: "[...] minha preocupação básica foi a de fazer uma arquitetura feia, uma arquitetura que não fosse uma arquitetura formal, embora tenha ainda, infelizmente, problemas formais. Uma arquitetura ruim e com espaços livres que pudessem ser criados pela coletividade. Assim nasceu o grande belvedere do museu, com a escadinha pequena. A escadinha não é uma escadaria áulica, mas uma escadinha-tribuna que pode ser transformada em um palanque. Eu quis fazer um projeto ruim. Isto é, feio formalmente e arquitetonicamente, mas que fosse um espaço aproveitável, que fosse uma coisa aproveitada pelos homens".
O vão livre do Masp é, portanto, o próprio museu. E os moradores da cidade, celebrando este belo presente, afirmam todos os dias seu caráter público: heterogêneo e múltiplo, ocupado e povoado por todo e qualquer tipo de gente, de evento e de situação, afirmando ali a dimensão pública da arte, da cultura e da cidade.
Se nos choca e indigna ver o vão do Masp (e outros espaços públicos) ocupado por pessoas viciadas em crack e moradores sem teto, é de políticas públicas decentes de saúde mental, de moradia e de assistência social que necessitamos, com urgência.
Não são as grades nem a repressão policial que vão enfrentar a situação de vulnerabilidade em que se encontram muitos paulistanos. Se eles estão ali, expondo a precariedade e a situação limite de sua existência, é porque, simplesmente, não há nada nem ninguém que os acolha, propondo alternativas reais para essa situação.
A imagem das barracas armadas no Masp só afirma a urgência de implementação de políticas que avancem nesta direção. Uma boa gestão de cidade mantém a qualidade de seus espaços públicos cuidando tanto de seu estado físico de conservação quanto da vulnerabilidade de parte de seus cidadãos.
Se o vão livre do Masp tem sido cada vez mais palco de manifestações, é justamente por acolher de forma tão eloquente uma das reivindicações centrais dos protestos recentes: a necessidade de constituição de uma esfera verdadeiramente pública no Brasil.
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