Clara miranda em parceria com Bruno Bowen, Lilian Braga e Samira Proeza
Palavras chave: Mobilização Popular; Habitação Popular; território do Bem; Vitória
O movimento popular de moradia do Território do Bem articula instrumentos do planejamento estratégico e de fórum. Do primeiro, buscam os mecanismos de participação e de mobilização em torno da concepção do plano e dos seus objetivos; do fórum, os dispositivos da política deliberativa que possibilitam a manifestação da visão de diferentes parcelas da comunidade. Este último confronta a intermitência recorrente entre apatia e mobilização nos movimentos políticos e sociais contemporâneos.
No município de Vitória, o Território do Bem é configurado pelos bairros São Benedito, Gurigica, Consolação, Itararé, Engenharia, Jaburu, Floresta, Bonfim e Penha. Esses bairros ocupam o Morro Grande e possuem 31 mil habitantes, cerca de 10% da população de Vitória. Os assentamentos se constituíram sem financiamento público, sem assistência técnica de arquitetos e de engenheiros e à margem da legislação urbana.
A ocupação do Morro Grande iniciou-se nos anos 1960, realizada inicialmente por migrantes procedentes das áreas rurais de cafeicultura. A imigração se acelera quando se multiplicaram oportunidades de emprego na construção civil, desdobramentos das indústrias metalúrgicas que se instalavam na Grande Vitória.
A crise da estrutura agrária foi simultânea com a conversão de Vitória no agente principal do modelo econômico industrial que se implantava. Novos migrantes vieram do norte do Espírito Santo, do norte de Minas Gerais e do sul da Bahia.
Nos anos 1970, se agravou a situação da moradia precária, ampliando a segregação espacial mediante a distribuição social diferenciada da paisagem. As áreas de morro constituem mais de 70% do território de Vitória, em grande parte oferecem dificuldades a acessibilidade e a apropriação urbana. O morro foi uma das trajetórias possíveis em Vitória para um expressivo número de trabalhadores de baixa qualificação. As pessoas desarticuladas da vida rural desenvolveram formas de vida e atividades subalternas ou alternativas, ocupando áreas da cidade cuja localização era desvalorizada Neste caso, ao menos, não se estabelecia a distância física entre moradia, trabalho e centralidade. A região situa-se entre avenidas importantes do município de Vitória.
30% da população de Vitória encontrava-se em situação de moradia precária em 2003 (PMV), a situação prosperou, mas no Território do Bem, embora 91% das moradias sejam de alvenaria, é significativo o número de edificações precárias e a coabitação entre famílias.
Inicialmente a construção das moradias comprometia ‘todos’ os recursos sem acarretar o endividamento das famílias, atualmente além do programa da prefeitura, o “Projeto Terra”, os moradores contam com uma cooperativa de crédito promovida pela Associação Ateliê de Idéias, uma ONG que agencia a economia solidária local.
Praticamente não há mais mutirões de construção, que eram freqüentes no início da ocupação. O trabalhador da região está submetido como os demais a condições de trabalho, que no atual estágio do capitalismo, conjuga a precariedade do emprego com novas modalidades de sobre trabalho. Resta pouca disposição física para os mutirões. Mas isso não fez esmorecer a mobilização política.
A ocupação informal do bairro gerou problemas para a inserção da infra-estrutura; dificuldades para a construção e a estabilidade das edificações. Isso não impediu que consolidassem moradias e se estabelecessem como comunidade.
Ademais, grande parte do território possui infra-estrutura, equipamentos e serviços urbanos de relativa qualidade. As comunidades reconhecem os avanços neste âmbito. Dizem “Modificou muito, agora tá uma cidade por bem dizer”. Todavia permanece mobilizada atuando em diferentes formas de lutas e organizações comunitárias.
A mobilização da comunidade teve início com a ocupação dos terrenos e a demanda por melhoria de infra-estrutura. No inicio dos anos 1980, as lideranças se articularam com as Comunidades Eclesiais de Base; nos anos 2000 com ONGs; o que culmina com a criação de um fórum popular. O Fórum Bem Maior – FBM abrange o Território do Bem e busca empreender ações coletivas que assegurem maior força de negociação e no debate político.
Este fórum elaborou, em 2009, pesquisa sobre o perfil dos moradores e criou uma agenda das demandas coletivas: melhoria de escolaridade (a maioria não concluiu o 1º grau); articulação de iniciativas de geração de trabalho e renda; incentivo a empreendimentos de responsabilidade socioambiental; divulgação da multiculturalidade e diversidade da população local.
Destaca-se nesta agenda, o objetivo de assegurar a participação do FBM nos espaços políticos como Conselho Popular de Vitória, audiências públicas, orçamentos participativos, entre outros. Ou seja, o FBM agencia um alto nível de organização e participantes com plena sapiência da complexidade política em que estão inseridos.
O “Plano Bem Maior” converte as idéias do planejamento estratégico, antes alheias ao seu lugar, em um bem coletivo. Compreende que as mudanças globais rápidas requerem instrumentos flexíveis e participativos.
O Território do Bem confronta os atributos pejorativos de criminalidade e de fealdade: “Tem gente que fala que morro é ruim, mas quem faz o morro é a gente”. Reivindica a função estatal e técnica para resolver os problemas que defronta. Almeja participar do mercado, exercitar a autonomia e o direito à cidade em sua plenitude.
Referências Bibliográficas
DOWBOR, L., (2002), A reprodução social, Petrópolis, RJ, Vozes.
FBM, (2009), Plano Bem Maior do Território do Bem, Vitória
MARICATO, E., As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias, In ARANTES, O., VEINER, C. & MARICATO, E., (2002), A cidade do pensamento único, Petrópolis, RJ, Vozes,
MIRANDA, C. L., EMAU (org.), (2010), Habitação, Memória e Vivência em São Benedito, Vitória –ES. Vitória, UFES
PMV, (2003), Política Habitacional do Município de Vitória, Secretaria de Habitação, Prefeitura Municipal de Vitória
Nenhum comentário:
Postar um comentário