sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Das quebradas ao centro | Blog Coletivo Outras Palavras

Das quebradas ao centro | Blog Coletivo Outras Palavras

Um motoboy, um gestor cultural, um funkeiro e um professor universitário falam sobre “periferia”
Por JR Penteado
“A mídia nos vê como vítimas ou bandidos. Com o projeto, há uma inversão nessas visões”. O dono da declaração é Eliezer Muniz, o Neka, membro do Canal Motoboy – coletivo de cultura que reúne cerca de uma dezena de motociclistas. Neka, que além de motociclista também é professor de filosofia da rede pública de ensino, contou a história do coletivo para uma plateia no Sesc Santo Amaro, na mesa intitulada “Circuitos e Trajetos: o marginal no centro e na periferia”, que ainda teve outros convidados para falar sobre o tema. O debate fazia parte da programação do seminário “Estéticas das Periferias”.
Neka fez um relato do projeto Megafone (www.megafone.net), no qual o Canal Motoboy possui um espaço em que seus membros postam fotos de celulares juntamente com textos, criando assim a sua própria narrativa da cidade. “Quem idealizou o site é o espanhol Antoni Abadi. A ideia é a de dar voz aos coletivos que existem em todo o mundo, e, por meio de celulares, circunscrever a ação política cultural das comunidades marginalizadas, invisíveis”, disse.
Já Leandro Benneti, do Centro Cultural da Juventude (CCJ), falou sobre o objetivo do centro, criado em 2006: reconhecer e valorizar a produção cultural dos jovens de São Paulo. “Foi um início favorável considerando a tradição muito ruim de São Paulo e do Brasil em oferecer políticas culturais ao jovem da periferia. Os que fizeram o CCJ buscaram romper essa tradição.” Benneti ressaltou também que a equipe do CCJ visa garantir a diversidade das suas atividades, já que o jovem também é diverso. E sublinhou que não há uma “periferia” mas “periferias” no plural. “A ideia de nossas ações é descobrir o jovem real, não o estereotipado que normalmente serve de ponto de partida para as políticas públicas.”
Em seguida, o MC Rafael Calazans, da APAFUNK (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), fez uma fala bastante contundente em defesa do funk enquanto expressão cultural, e comentou sobre o preconceito e criminalização que aqueles que gostam do gênero musical sofrem. “O funk surgiu do James Brown, foi para o morro carioca e foi apropriado. É frevo, com melodia de samba e batida de afro. Música preta, pobre, expressão de identidade cultural. Chega na década de 90 com paródia de músicas consagradas e se torna sucesso na periferia.” Sobre as constantes críticas contra às letras das músicas que fazem alusão ao sexo explícito, ele contrasta com outros expressões em que isso também existe. “Salomão já falava de sexo na bíblia. Sem contar as cenas picantes na novela das nove da Globo. Aí o jovem do morro tem 50 palavras no vocabulário, 25 são palavrões, 25 são gírias, pegam esse cara e querem discutir com parâmetros de Chico Buarque.”
Por fim, falou José Magnani, do Núcleo de Antropologia Urbana da USP. Ele destacou o fato da palavra “periferias” ter sido colocada no plural no título do evento. “A palavra periferia, no singular, dá uma ideia de homogeneidade, o que não existe, já que ela é múltipla.” Magnani também chamou atenção para a mudança do conceito na palavra “periferia”. “Normalmente entendemos a periferia enquanto oposição ao centro, concepção bastante usada na mídia, no cotidiano, nas ciências sociais. Em algum momento esse conceito servia para explicar a realidade, talvez quando São Paulo tinha um centro bem delineado e a periferia era mais caótica. Hoje o emprego dessa palavra já não basta e já se fala em ‘hiperperiferia’, ‘megaperiferia’.” Ele ainda comentou sobre a mudança de conotação do termo. “Hoje periferia deixou de ser estigma para se tornar uma marca. Tem que ter um ethos pra ser da periferia, não é qualquer um: lá vive-se, não mais se sobrevive.” E sobre a ideia de estética, arrematou. “A estética da periferia sempre existiu, desde os imigrantes que primeiro chegaram, a periferia sempre foi lugar de criação. Por que não tem visibilidade? Para se tornar estética, as expressões culturais têm que ultrapassar o nível doméstico e experimental, e ocupar os espaços de visibilidade pública para então se consolidar como estética. Tem que vir para o centro, que é onde está o poder.”

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